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“O ecossistema de inovação se desenvolveu muito no Brasil nos últimos anos. É preciso ter orgulho disso”

Giovanna Riato - 29 ago 2016
Boaz, cônsul para assuntos econômicos de Israel, defende que o Brasil tem grande potencial de cooperação: “Israel é um laboratório para testar, mas não o mercado para vender”.
Giovanna Riato - 29 ago 2016
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Israel e Brasil não poderiam ser mais contrastantes. A nossa população de mais de 200 milhões de pessoas e admirável abundância em recursos naturais deixam o desértico país de apenas 8 milhões de pessoas no chinelo. Por outro lado, enquanto por aqui a gente tropeça em burocracia e lentidão, lá em Israel o ambiente é tão fértil que gerou um dos mais importantes polos globais de inovação, o único que faz frente ao Vale do Silício no mundo. Aparentemente, os dois países têm aquelas diferenças que fazem um relacionamento ficar muito mais interessante.

É no que acredita Boaz Albaranaes, cônsul da Missão Econômica e Comercial de Israel no Brasil, que foge de qualquer formalismo ou ar de superioridade que eventualmente acompanha diplomatas por aí. Ele se mudou para o Brasil há dois anos, com a esposa e os dois filhos. “O terceiro é o único brasileiro”, diz, contando do bebê que chegou há três meses. O jeito descontraído, ele diz, é bem típico de Israel. “Lá não temos muita hierarquia. Você pode encontrar um ministro no mercado e ir dar algumas sugestões para melhorar o ambiente de negócios”, conta, ao revelar um dos motivos que faz um país que é do tamanho do estado de Sergipe virar um gigante quando o assunto é inovação.

Boaz fala também de um tal de “Israeli hotzpa”, que ele traduz para “jeitinho israelense” de fazer negócio. “Lá a gente faz e depois pensa, direto ao ponto e com alta tolerância a falhas.” Segundo ele, o ambiente é favorável para a ousadia: é o primeiro país do mundo em parcela do PIB investida em pesquisa e desenvolvimento. Também é o primeiro em densidade de startups. Em 2015 a região teve recorde de aquisição de negócios inovadores por grandes empresas, com mais de 100 operações e total de 9 bilhões de dólares investidos.

De lá saem as mais variadas e inusitadas soluções tecnológicas — do saudoso comunicador online ICQ, passando pelo pendrive e chegando ao Waze, amigo nosso de cada dia nas grandes cidades. Ele diz que o país tem poucas grandes corporações com milhares de funcionários, talvez uma ou duas. Em compensação, é ali que as companhias globais instalam seus centros de desenvolvimento de novos produtos. O empreendedorismo já é cultural a ponto de pai e mãe ficarem orgulhosos quando o filho diz que vai seguir por esse caminho. É o novo quero ser médico, conta Boaz.

Em um português fluente e carregado de sotaque, ele conta na entrevista a seguir como Brasil e Israel podem cooperar para criar negócios inovadores, diz quais processos transformaram o país em uma das nações mais promissoras do mundo e, claro, fala da experiência de viver no Brasil e de suas impressões do nosso ecossistema.

Qual é a sua principal missão na posição que você ocupa hoje?
Meu cargo pretende aumentar ou promover o comércio e a cooperação tecnológica entre Brasil e Israel. No dia a dia, vou atrás de estreitar este contato para buscar potencial de cooperação.

Muitas vezes Israel não sabe o que está acontecendo aqui e os brasileiros não sabem o que acontece em Israel. Nosso papel é criar a ponte

Quando as empresas já estão se falando, estão em cooperação, a nossa função já acabou.

Que ações você toma para entregar essa missão?
Temos três linhas principais de trabalho. A primeira é com o governo brasileiro. Existe um acordo de livre comércio entre os dois países e também um acordo de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). Vamos atrás disso para quebrar as barreiras aos negócios entre os dois países. A nossa segunda linha é a divulgação destas oportunidades por meio de delegações que levamos para Israel ou que trazemos de lá para cá. São reuniões B2B. Levamos estes grupos para eventos não só em Israel, mas eventos tecnológicos em outros lugares do mundo. A nossa terceira linha de trabalho é a ajuda que oferecemos a quem nos procura com interesse em um dos dois mercados. Damos apoio prático ou técnico. Desde ajudar uma empresa israelense que tem um contêiner parado na alfândega brasileira até o business delevelopment, como a busca de parceiros e clientes.

Tem acontecido de empresas brasileiras nos procurarem para que a gente ajude a encontrar soluções tecnológicas para desafios que eles têm. Entre os exemplos está uma startup de microcrédito que precisava melhorar a avaliação de risco. Nós encontramos solução israelense que faz a avaliação pelas redes sociais e agora estas empresas já estão em cooperação. A ideia é fazer ponte e, em qualquer necessidade que as empresas tenham, estamos aqui para ajudar.

Israel se tornou um dos grandes núcleos globais de inovação. O que levou o país a tomar essa posição?
São várias razões, uma mistura delas. Entre as principais está a necessidade de desenvolver algo inovador para exportar globalmente porque o mercado ali é muito pequeno. A segunda está ligada às características de cultura israelense, que é orientada a resolver problemas. É o jeitinho israelense, o Israeli hotzpa. Lá, a gente faz e depois pensa, direto ao ponto e com alta tolerância a falhas.

Outra coisa é o suporte governamental. O governo está muito envolvido no ecossistema, investiu muito dinheiro em P&D e em startups. Nos anos 1990, para cada dólar aplicado em desenvolvimento por uma empresa no país, o governo investia mais um dólar. Isso tornou a região muito atrativa.

O empreendedorismo virou algo cultural, um caminho que as pessoas escolhem seguir desde cedo, que deixa as famílias orgulhosas

Temos só uma ou duas empresas grandes no país, o resto são startups. O exército também tem papel importante porque influencia o comportamento. É obrigatório e ajuda a desenvolver organização e disciplina. Sem contar o lado tecnológico: hoje o exército tem com centros tecnológicos super avançados. Os jovens saem de lá com muito conhecimento, o que fomenta esse ecossistema. Outra razão para a inovação é que as empresas já pensam internacionalmente desde o primeiro dia. Israel é um laboratório para testar, mas não o mercado para vender.

Na sua análise, quais são as grandes promessas nos negócios de Israel, que setores estão despontando?
No passado o mundo era muito mais segmentado. Hoje uma solução de água tem algo de biologia, de TI e de química, por exemplo. É tudo uma mistura. Israel é muito forte em áreas como software, biotecnologia e química. Tudo relacionado a estes setores está bem desenvolvido. Também temos muitos aplicativos e soluções de telecom, estes outros mercados mais maduros. Percebo que temos ainda muita força em energias renováveis, soluções de tratamento de água, além de outras aplicações de software, como fintechs, e-commerce e segurança cibernética. Outro setor importante é IoT (internet das coisas), que reúne várias aplicações de conhecimentos que já temos.

Quais setores têm maior potencial de cooperação entre Brasil e Israel? Quais problemas os dois países têm em comum?
Tem algumas áreas em que já existe cooperação de muitos anos, como equipamentos bélicos, segurança, água e agricultura. Pensando em negócios mais novos, fintech é um setor muito forte por causa do tamanho do mercado financeiro aqui no Brasil. Segurança cibernética também. É um problema global, não uma questão entre os dois países. Tem outras áreas, como logística e manufatura avançada. Soluções para melhorar processos fabris ou gerenciar frotas de caminhões, por exemplo, têm alto potencial.

Boaz lidera uma delegação de investidores-anjo em visita a Israel, uma de suas atividades como cônsul.

Boaz lidera uma delegação de investidores-anjo em visita a Israel, uma de suas atividades como cônsul.

Há oportunidades para empresas brasileiras em Israel? Quais?
Israel é um mercado muito pequeno. A realidade é que hoje os produtos daqui que vão para lá são commodities. O que tem espaço é cooperação para melhorar resultados, processos e até produto das empresas brasileiras. Israel pode ajudar a desenvolver estas soluções.

Você chegou ao Brasil há dois anos. Que características brasileiras te chamaram a atenção no ambiente de negócios e o que você entende como pontos positivos e negativos?
Não acho que seja melhor ou pior, são diferentes. Qualquer lugar do mundo tem suas necessidades, características e desafios. Quando você conhece, fica bem mais fácil de fazer negócio. A cultura é muito parecida entre Brasil e Israel, isso de fazer amizade fácil. O interessante é que do lado dos negócios as coisas são muito diferentes, quase o oposto. Israelense acredita muito no produto e brasileiro acredita muito na pessoa. Israelense é muito direto.

Brasileiro é menos focado no assunto principal, gosta de conversar sobre várias coisas numa reunião. Israelense fala muito “não”, já o brasileiro nunca fala “não”

Já aconteceu de a gente promover reuniões e a empresa israelense sair com a certeza de que iria fechar o negócio, porque, depois de longa conversa, o brasileiro disse algo como “vamos conversando”. Tive que avisar que aqui isso quer dizer que não há interesse. Fora essa parte comportamental, as empresas israelenses enfrentam no Brasil as mesmas dificuldades das brasileiras, como a burocracia e o excesso de impostos.

Aprofundando a análise, o que você acha que as empresas brasileiras teriam para aprender com as brasileiras ou até para ensinar?
Para ensinar, é o planejamento. O Brasil planeja melhor e Israel executa bem. Paciência é outra coisa… Israelenses não são muito pacientes. Acho que do outro lado é importante esse conhecimento das características culturais mesmo. Podem acontecer dificuldades por essa diferença de como o outro país faz negócios.

Quando as empresas de Israel vêm fazer negócios no Brasil existe um choque de sair de um ambiente fértil, com o apoio do governo, e chegar em um país mais desafiador? O que mais preocupa?
Israel tem desvantagens e desafios também. Não é o lugar perfeito. Acho que, na verdade, a surpresa maior aqui no Brasil é ciclo de venda. Mesmo se você está preparado para um processo longo, o tempo necessário aqui no Brasil é muito maior do que o israelense costuma aguentar. Essa paciência ele não tem. A segunda questão é essa característica do brasileiro de não falar não. Em Israel, se eu vou te apresentar o meu produto e você não gosta, você me diz em cinco minutos de reunião. No Brasil as pessoas fazem reuniões longas e nunca dizem não.

Você citou que Israel não é o lugar perfeito. Vocês ainda têm problemas no ambiente empreendedor? Quais são os desafios de lá?
Temos problemas sim. Os serviços bancários e o sistema financeiro são bem melhores no Brasil, por exemplo. Mais um desafio é que, por causa dessa maturidade do ecossistema de Israel, vai chegar um momento em que será difícil encontrar talentos, profissionais para abastecer este ecossistema. Não estamos nesse ponto, mas é uma preocupação de longo prazo.

E quais características culturais o israelense valoriza nos negócios?
Um das coisas é a alta tolerância de falhas. Se você falhou, em muitos países a conversa acaba aí. Lá a falha pode até ser positiva. A conversa começa aí. Tem ainda a questão da hierarquia. No Brasil a distância prejudica, torna tudo muito demorado. Tudo é muito longe e o centro político está distante.

Em Israel você encontra o ministro no supermercado e tudo bem se for lá falar com ele, dar uma sugestão para melhorar o ambiente de negócios

O processo de tomada de decisão em Israel é muito simples, sem a burocracia que vemos aqui. Em uma empresa, por exemplo, não é tão comum você discordar do seu chefe, defender seu ponto, ensinar algo para ele. Outra coisa de lá é que tudo é muito modesto, com um ecossistema que capta muito menos dinheiro do que o dos Estados Unidos, por exemplo. O israelense trabalha com esse conceito de lean startup.

Que resultados você já obteve na relação entre os dois países nos últimos anos? Tivemos bons resultados. Teve empresa brasileira que visitou Israel e trouxe tecnologia interessante para cá, teve israelense que achou parceiros para atuar no Brasil. Eu não posso detalhar, dar nomes, mas tem bastante coisa. Muito intercâmbio de investimento e de tecnologia.

As grandes corporações têm perdido o poder de atrair e reter profissionais da nova geração. Com essa experiência de acompanhar ecossistema de startups e inovação, o que você acha que falta para uma grande empresa atrair jovens?
Ter um relacionamento melhor com o ambiente, olhar para fora, para empresas menores em busca de inovação. Percebo que o brasileiro sempre reclama do Brasil e eu posso ver coisas muito positivas aqui. O sistema de inovação se desenvolveu muito nos últimos anos. Vejo a diferença desde que cheguei.

São Paulo vem avançando no ranking de centros mundiais de inovação, chegou a 12ª posição e acho que dentro de dois anos estará no top 10. É preciso ter muito orgulho desse ecossistema. Cada dia tem mais coworkings e espaços na cidade voltados a empreendedores. É bom para todos os lados, incluindo as grandes companhias, que precisam se atentar a este movimento e trabalhar ao lado das novas empresas e empreendedores.

Ainda ouvimos falar de machismo nos negócios e no ecossistema de startups pelo menos no Brasil. Qual é a sua impressão sobre a situação da mulher no mercado de trabalho?
Isso realmente existe, mas está mudando devagar. Nós, do consulado, fizemos uma concorrência entre empreendedoras mulheres aqui no Brasil. A vencedora vai visitar a maior feira de inovação que temos em Israel, agora em setembro.

Em números totais, ainda tem poucas mulheres no ecossistema tanto no Brasil como em Israel. Está crescendo, mas ainda é pouco

A direção é positiva, mas temos muito o que desenvolver e aumentar a participação das mulheres nestes negócios.

Falando um pouco de vida pessoal, você se mudou para o Brasil com a sua família. Como você administra e mantém o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho estando longe de Israel?
Estou tentando equilibrar. É um aspecto difícil para todo mundo por dois pontos: temos só 24 horas no dia e ainda precisamos dormir de vez em quando (risos). Neste sentido, tento focar nas coisas importantes. A família vem em primeiro lugar sempre e o trabalho logo em seguida. Por estar longe, acabo tendo uma vantagem interessante. Sem o resto da família por perto temos menos compromissos, menos distrações, então consigo focar muito bem nas minhas prioridades. No seu país você sempre tem o dia a dia, visitar a família, encontrar uma série de pessoas. No fim das contas, aqui, sem isso, acabo com mais tempo para minha mulher e filhos.

E o que você mudaria na sua rotina se pudesse?
Eu praticaria mais esportes. Comprei agora uma bicicleta e estou andando na cidade com ela, o que já é uma melhora. Outra coisa é dedicar mais tempo a algumas atividades como ler um livro que não esteja ligado a trabalho. Hoje eu capoto de cansaço no fim do dia, depois de trabalhar e passar um tempo com as crianças. Gostaria de fazer mais coisas ligadas a arte, como ler e escrever um pouco. Enfim, usar o lado esquerdo do cérebro, não só o direito.

Me fale um livro, um filme ou uma música que tenham feito a sua cabeça recentemente.
Pergunta difícil… Relacionado ao ecossistema de Israel tem o livro Nação Empreendedora, do Saul Singer e do Dan Senor. Explica muito bem como Israel se tornou a núcleo de inovação que é hoje. Sobre filme, tem um brasileiro que eu gostei muito, o Que Horas Ela Volta?. Mostra coisas muito interessantes sobre o país, que muita gente não conhece. Passou nos cinemas de Israel e eu recomendei para muitos amigos.

Para encerrar, que legado você quer deixar com o seu trabalho aqui no Brasil? Como quer ser lembrado?
Não tenho interesse em ser lembrado. Se eu souber que as relações entre Brasil e Israel se fortaleceram e que coisas aconteceram por causa do nosso trabalho aqui, isso vai ser o meu sucesso. Se o que a gente fizer gerar resultados, já ficarei feliz.

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