A Braskem é um raro caso de sucesso de uma empresa brasileira da área industrial. Há dois bons indicadores desta boa performance. O primeiro é a internacionalização: 25% do resultado operacional da companhia vem do exterior, principalmente dos Estados Unidos e da Europa. A petroquímica também se destaca em inovação, com uma ofensiva pioneira na área de plásticos desenvolvidos a partir de matéria-prima renovável, como o Polietileno Verde, feito a partir do etanol da cana de açúcar.
Em 2014, a novidade garantiu à companhia presença na cobiçada lista das 50 empresas mais inovadoras do mundo da Fast Company. A meta é seguir honrando essa posição. “Queremos expandir a nossa oferta de químicos feitos a partir de insumos renováveis, algo que é novo no mundo. Estamos no começo da curva tecnológica para o desenvolvimento destes produtos. É uma pesquisa de fronteira mesmo e estamos bem à frente”, conta Patrick Teyssonneyre, 40, diretor de Inovação e Tecnologia da Braskem, durante entrevista para o Draft concedida no prédio que a companhia compartilha com a sua controladora, a Odebrecht, na capital paulista.
Há 16 anos, ainda como estagiário, ele começou a carreira em uma das companhias que, após algumas fusões, deu origem à gigante brasileira da área petroquímica. Nos últimos anos, Patrick mergulhou tão fundo na busca por inovação que descobriu outra vocação: a de compartilhar conhecimento, que ele exerce de forma voluntária no Braskem Labs, programa de mentoria para empreendedores que a companhia lançou em 2015 e está agora em sua segunda turma. “É uma troca muito grande. Levo conhecimento para eles e trago novidade para Braskem, outro olhar, percebo novos movimentos do mercado”, diz. A paixão que trabalhar com startups despertou foi tão grande que ele se tornou investidor-anjo de algumas empresas que ele encontrou fora do programa.
É nesse espírito que ele toca a área de inovação da companhia, com o enorme desafio de fazer uma grande corporação ganhar leveza e agilidade para se adequar ao novo ritmo dos negócios. “Para ter inovação bem-sucedida precisamos unir criatividade e disciplina.” A seguir, ele fala de como tem desempenhado essa tarefa, dos tropeços e vitórias da empresa para se manter na tal lista das companhias mais inovadoras do mundo.
Como a Braskem trabalha a inovação internamente? Há uma área específica?
Inovação é um dos principais pilares da nossa estratégia de crescimento. A enxergamos como um meio ao definir onde estamos agora, aonde queremos chegar no futuro e qual é a ponte a ser feita. Temos uma área específica para isso. É claro que a inovação precisa acontecer em todos os setores, mas temos este departamento para produtos e processos produtivos. O nosso modelo é de inovação aberta, colaborativa. Quando temos internamente toda a competência necessária para alguns projetos, conduzimos eles sozinhos. Mas, em vários casos, principalmente quando envolve grande complexidade tecnológica, como biotecnologia, nossa tendência é trabalhar em parceria. Aí, firmamos acordos de desenvolvimento conjunto com universidades, startups, grandes ou pequenas empresas.
Como essa abordagem da inovação evoluiu, especialmente nos últimos anos, em que virou quase um mantra das grandes empresas?
O setor de química e petroquímica sempre foi baseado em evolução tecnológica. Não dá para dissociar. A Braskem é uma junção de várias empresas menores e, lá no passado, talvez não fizesse sentido que cada uma dessas empresas investisse pesadamente em tecnologia. Mas, à medida que a Brakem se consolidou, nos internacionalizamos e surgiram projetos e ações que nos dão mais independência tecnológica. Então, de cinco a sete anos para cá, essa foi a principal mudança nesse horizonte.
Você têm centros tecnológicos fora do Brasil. Como estão estruturados hoje?
Depois de 2010, quando fizemos nossas aquisições nos Estados Unidos e na Europa, passamos a ter um centro de tecnologia e inovação em Pittsburgh (EUA). Desde então as estruturas do Brasil passaram a colaborar de forma muito complementar com os internacionais, abrindo outras possibilidades de pesquisa. Hoje temos 24 laboratórios, incluindo um na Alemanha. Há ainda dois centros de tecnologia e inovação, que são empreendimentos mais completos e multipropostas, capazes de apoiar vários negócios. Um deles é este dos Estados Unidos e o outro fica em Triunfo, no Rio Grande do Sul.
E qual é o foco da atividade nestes laboratórios?
Intensificamos muito nos últimos anos o desenvolvimento de químicos a partir de fontes renováveis de matéria prima. Um exemplo é o Polietileno Verde, que usa o etanol da cana de açúcar. Queremos expandir esta nossa oferta, algo que é novo no mundo. Estamos no começo da curva tecnológica para o desenvolvimento destes produtos. É uma pesquisa de fronteira mesmo e estamos bem à frente, em busca de um portfólio mais amplo e diversificado.
Qual é o orçamento da Braskem para inovação?
Só divulgamos os dispêndios totais voltados a tecnologia e inovação, que são de 310 milhões de reais para 2016. Este orçamento que aumenta ano a ano. Em 2015, foram 280 milhões de reais. É comum nos perguntarem se estamos reduzindo por causa da crise, mas é o oposto.
Na dificuldade, nos apegamos e investimos ainda mais em inovação porque precisamos buscar melhorias na competitividade
Além disso, temos uma atuação global e estamos em um bom momento do ciclo petroquímico fora do Brasil.
Além do desenvolvimento de novos produtos, há outro foco do trabalho de inovação na Braskem?
Queremos aumentar a competitividade da cadeia em que estamos inseridos, começando pelo cliente. Se ajudamos ele a ser mais competitivo, a cadeia do plástico será mais competitiva e esse ganho será compartilhado conosco. Também buscamos, com iniciativas tecnológicas, tornar as nossas plantas mais produtivas. Outro foco é a oferta de produtos inovadores que tragam ganhos para os nossos clientes. Há ainda a o desenvolvimento de novas aplicações para o plástico. Buscamos estudar o uso do material em soluções que ainda não existem ou que são feitas em em outros materiais, como metal e vidro.
Inovar já pressupõe tolerância maior ao fracasso, algo que grandes corporações tradicionalmente trabalham para evitar. Como lidar com este paradoxo?
Temos um modelo descentralizado de gestão e de empoderamento dos líderes. Isso nos dá autonomia para tomar decisões e correr riscos maiores. Alguns assuntos que pesquisamos ou estamos desenvolvendo oferecem altíssimo risco tecnológico, principalmente nas áreas de química renovável e biotecnologia. Já começamos e paramos algumas iniciativas e tudo bem. Não há problema nenhum, desde que a gente interrompa pelo motivo certo e aplique as lições aprendidas nos próximos projetos.
A área de inovação tem códigos ou trabalha de forma diferente do restante da empresa, como um laboratório mesmo?
Para ter inovação bem-sucedida precisamos unir criatividade e disciplina. A criatividade é para pensar em boas ideias, soluções para problemas e oportunidades. A disciplina serve para executar tudo isso. É a junção dos dois. Quando olhamos para a companhia, existem áreas muito caracterizadas por disciplina e outras mais criativas. Sempre há um balanço em algum nível, mas para a área de inovação precisamos de um equilíbrio maior.
Há uma série de códigos emergentes de trabalho, como a colaboração e a extinção da hierarquia. Em que medida esses outros aspectos acontecem na Braskem?
Nossa cultura é bem descentralizada, justamente para dar autonomia na tomada de decisão. Trabalho há 16 anos na Braskem. Lembro que, na minha primeira semana de trabalho, tive aquela sensação de amor à primeira vista. Com o tempo, percebi é pelo alinhamento dos meus valores com os valores da cultura empresarial. A consequência desse modelo mais vertical é ter autonomia e confiança para delegar. Na Braskem, você pode propor, ocupar o espaço que quiser. As oportunidades estão aí. E, também, somos pouco hierarquizados. Sempre há espaço para conversar e sugerir.
As grandes empresas também se dedicam cada vez mais a trabalhar com startups. Vocês têm o Braskem Labs. Como funciona?
O Braskem Labs é um programa de incentivo ao empreendedorismo. Aceleramos startups que estejam trabalhando com soluções inovadoras que melhorem a vida das pessoas através do uso do plástico e da química. A Endeavor é nossa grande parceira na concepção, idealização e execução desde o ano passado. Em 2015, aceleramos 19 empresas em 45 dias de programa. Este ano são apenas 12, mas com quatro meses de duração. Buscamos um impacto maior. Não investimos em equity nas startups e também não temos qualquer tipo de direito de propriedade intelectual.
A aceleração acontece através de uma mentoria super customizada com executivos da Braskem e o pessoal da Endeavor. Fazemos diagnóstico de cada uma das startups, do momento pelo qual elas estão passando e dos gargalos para o crescimento. Descobrimos vários benefícios indiretos do programa para nós. É uma forma de nos conectarmos com tecnologias exponenciais. Tem startup sendo acelerada esse ano que trabalha com inteligência artificial, por exemplo. Existe ainda a possibilidade de parceria. De 19 mentorados do ano passado, oito viraram cliente, fornecedor ou parceiro nosso para alguma inovação.
Quais foram os principais aprendizados para a companhia com o Brakem Labs?
Já trabalhávamos com startups desde 2012 por meio de acordos de desenvolvimento. Algumas coisas já chamavam a nossa atenção e o Braskem Labs apenas confirmou. Uma delas questão é a agilidade.
Muitas startups têm cinco pessoas, orçamento super curto, e conseguem fazer milagres em termos de desenvolvimento tecnológico e novos negócios. Isso inspira
Isso nos fez pensar em como fazer de forma tão ágil, rápida e com menos recursos. Outro aprendizado importante é que, quando lidamos com startups, precisamos estar atentos às assimetrias nas negociações de contratos ou na velocidade. Tem startup que tem dinheiro em caixa para seis meses. Um processo que nas grandes corporações leva meses, pode significar a vida desta pequena empresa. Precisamos pensar em como avançar com o mesmo passo, na mesma agilidade.
Conte alguns casos que aconteceram na sua área nessa busca por inovação. Quais foram as experiências mais marcantes, tanto bem quanto mal-sucedidas?
Começando pelo lado bom, um dos grandes cases nossos é o Polietileno Verde. A Braskem é a única produtora desse biopolímero. Existem outros, mas não na escala e com a competitividade com que produzimos. A ousadia de fabricar essa solução trouxe reconhecimentos importantes, como entrar na lista da Fast Company das empresas mais inovadoras do mundo em 2014, na 41ª colocação, ao lado de Netflix e Google.
Do lado negativo, tivemos casos de desenvolvimento de novos produtos em que esperávamos gerar um ganho importante para o cliente, mas no fim das contas o resultado não era tão bom, daí não seguimos adiante com o projeto. Na biotecnologia é comum não melhorar o suficiente para alcançar as nossas metas com algumas soluções.
Quando percebemos que algo não é competitivo, paramos o desenvolvimento. Essa é a parte da disciplina
Temos um processo super disciplinado de gestão da inovação que balanceia risco e investimento. Por causa disso não temos nenhum grande hit negativo, que tenha recebido investimento enorme e não dado em nada.
Quais são os seus maiores desafios na posição de conduzir o processo de inovação?
A Braskem é global. Temos pessoas e ativos distribuídos ao redor do mundo, principalmente no Brasil e nos Estados Unidos. O desafio é coordenar isso globalmente considerando a vocação tecnológica de cada região e garantindo que estamos nos beneficiando o máximo possível de cada país. Propriedade intelectual é um ponto importante também.
Sabemos que às vezes demora 10 anos para conseguir uma patente no Brasil, então pode ser mais interessante começar o processo nos Estados Unidos e depois trazer para cá
Esse ganho de sinergia e eficiência é um dos grande desafios. O outro é assegurar que a nossa estratégia tecnológica realmente atenda às necessidades do crescimento e desenvolvimento futuro da Braskem, que a gente mire nos assuntos certos. A parte das pessoas é um outro ponto. Temos régua alta de contratação, com exigência de formação e idiomas. Buscamos um pesquisador que enxergue os desafios e tenha uma pegada de propor soluções. Com isso, temos certa dificuldade de contratar, principalmente aqui no Brasil. Estamos com vagas abertas há mais de oito meses.
Vocês são uma empresa da Odebrecht em sociedade com a Petrobras, companhias que passam por enorme crise moral, da qual a Braskem parece relativamente imune. A inovação está relacionada a isso?
No momento em que estamos vivendo no Brasil, inovação e tecnologia parecem ser dimensões muito fortes para a imagem e reputação das empresas. Acho que essa característica inovadora da Braskem, alinhada ao nosso propósito, é uma grande contribuição à nossa reputação. Consigo opinar até aqui, mas é claro que há uma série de outras dimensões.
Que análise você faz do ambiente brasileiro para inovação? O país favorece ou atrapalha este processo?
O Brasil tradicionalmente foi mais alicerçado no licenciamento de tecnologias do que no desenvolvimento delas. O próprio passado da Braskem foi assim. Não é uma crítica, mas uma constatação. Por outro lado, o histórico das nossas universidades é de pouca transferência de conhecimento para a indústria. Isso eu acho que está mudando. É um dilema meio Tostines: não sei o que começou primeiro. Se é o empresariado que tinha cabeça de licenciamento ou se a universidade não transferia. Essas são as características que fazem com que a gente não seja um país de ponta em P&D, mas percebo uma revolução acontecendo. Há grandes empresas que investem em pesquisa para valer. Esse avanço também está sendo impulsionado pelas startups. Vai acontecer devagar, mas enxergo um Brasil mais tecnológico no futuro.
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