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Quanto tempo resiste um evento gratuito de palestras inspiradoras? O Ossobuco completa sete anos

Cristine Gentil - 28 maio 2018 Heloísa e Vinícius atuam voluntariamente para fazer os eventos do Ossobuco acontecerem (foto: Luis Tajes).
Heloísa e Vinícius atuam voluntariamente para fazer os eventos do Ossobuco acontecerem (foto: Luis Tajes).
Cristine Gentil - 28 maio 2018
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Você pode achar que não há nada de mais na decisão de viver um ano sabático, viajando por aí ou aprendendo uma técnica que ensina a dormir menos. E que novidade poderia haver em largar a faculdade, escrever um livro, trabalhar com fotografia, criar os filhos, empreender, fazer yoga? A verdade é que atos e fatos aparentemente prosaicos podem se tornar experiências de vida reveladoras – sobretudo para um bom contador de histórias. Selecionar quatro narradores e colocá-los no palco, uma vez por mês, é a missão de um evento chamado Ossobuco, que há sete anos inspira brasilienses com enredos engraçados, comoventes, inacreditáveis, educativos e, por que não, até aparentemente simplórios, como a importância do pão de queijo no café da manhã.

O Ossobuco acontece, desde 2011, toda última terça-feira de cada mês em um auditório de 327 lugares no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de Brasília. É produzido por voluntários. Quem se apresenta não recebe cachê e quem assiste não paga nada. Invariavelmente, lota. O que explica a sua longevidade? Como manter a marca, o ânimo e o desejo de viabilizar mensalmente um evento desse tipo? Vinícius da Silva Santos, 36, um dos organizadores, tem a  resposta: “Quero que o Ossobuco exista, então, ajudo a fazer”. Simples assim.

É fato que o evento continua porque, a despeito de todas as dificuldades, há um time disposto a usar a lábia, arregaçar as mangas e, eventualmente, revolver os próprios bolsos para conseguir colocá-lo em prática. Atualmente, além de Vinícius, Heloísa Pinho Rocha, 52, e Denise Vianna Köche, 36, compõem a equipe. Mais do que inspiradoras, as palestras de pessoas comuns são catalisadoras de mudanças nas trajetórias de quem assiste, participa e trabalha. Vejamos como tudo começou.

O auditório em que os eventos são realizadas estão sempre cheio e a plateia costuma interagir com os palestrantes, como neste encontro em que a temática era yoga.

Os amigos Thum Thompson, 33, e Daniel Vieira Souza, 39, são as cabeças criativas por trás do Ossobuco. Pelo menos uma vez por semana, os dois costumavam almoçar juntos. “Era um encontro sempre muito rico em conteúdo porque usávamos esse tempo para trocar referências e falarmos de assuntos interessantes. Começamos a querer expandir essa troca com mais pessoas e a pensar em como iríamos fazer isso. Foi quando veio a ideia de criarmos um evento novo para Brasília”, diz Thum, estrategista criativo, produtor e fotógrafo, atualmente morando em São Paulo e trabalhando na plataforma cultural MECA como Head of Community & Communication.

A inspiração dos dois amigos eram eventos como o PechaKucha, o Ignite e o TED Talks. Mas eles planejaram uma versão com identidade própria, em que os palestrantes não fossem necessariamente pessoas já conhecidas ou influentes. Thum fala mais a respeito:

“Queríamos um evento mais abrangente, em que qualquer um pudesse subir ao palco para compartilhar sua história e inspirar os outros. E, além de tudo, acelerar a cena empreendedora de Brasília”

O designer Daniel, que atualmente trabalha como Associate Creative Director na agência de transformação digital SapientRazorfish, em Londres, acrescenta que, na época, já estava claro para eles que a cultura criativa de Brasília era singular e intensa. E isso precisava ser compartilhado. Para ele, a iniciativa funcionou também como uma válvula de escape. “Trabalhar em agência muitas vezes te dá uma sensação de que as boas ideias morrem fácil e no Ossobuco era o contrário. Era uma oportunidade de usar design de uma forma mais experimental e abrangente, pensando na experiência das pessoas como um todo. E com uma vantagem incrível: sem hierarquia, sem obrigação nenhuma de rentabilizar ou agradar ninguém”, conta.

O formato, então, foi criado. O nome, o slogan e a marca “Ossobuco – mais tutano para sua vida” nasceu em uma mesa de bar e o protótipo do evento foi um churrasco para 50 convidados na casa de outro amigo, em março de 2011. “Foi um sucesso. Após as falas, todos os presentes começaram a interagir, comentando o conteúdo que havia sido compartilhado e trazendo novas referências e assuntos incríveis. Isso nos motivou a seguir em frente e a correr atrás de um espaço para podermos lançar oficialmente o evento todos os meses”, diz Thum.

FOI BOM, COMEÇOU A CRESCER NATURALMENTE

Logo o Ossobuco ganhou projeção. Veio o convite do Brasília Shopping para fazer o evento no teatro deles para 100 pessoas. Depois, seguiram para o teatro da Livraria Cultura, do shopping Iguatemi, com 198 lugares. Hoje, está no CCBB, com mais de 300. Os fundadores do Ossobuco, em momentos distintos, tiveram de delegar a função de organizar o encontro devido a compromissos profissionais fora de Brasília. Apesar disso, ainda mantêm um vínculo apaixonado pelo projeto, que segundo Daniel, resiste por conta de três pilares: “Um propósito claro e apaixonante, a simplicidade nos processos e na entrega e a autonomia e liberdade criativa. Já tivemos muitos integrantes diferentes tocando o barco e o nível sempre foi o mesmo”.

Além disso, ele prossegue: “A ideia é sempre dar o melhor suporte para as pessoas que querem compartilhar suas histórias, respeitar a audiência entregando ideias livres de jabá e proporcionar a oportunidade para uma comunidade se encontrar”.

Vinícius foi o primeiro dos três organizadores atuais a entrar no time de voluntários. Nascido no Rio de Janeiro, mudou-se para Brasília em 2005. Era eletricista da Votorantim. Cursou comunicação e tornou-se publicitário. Passou por várias agências, trabalhando prioritariamente com comunicação digital e direção criativa. Em paralelo, sempre se dedicou ao Ossobuco. Faz a direção de arte do evento, cuida da transmissão e de postar a íntegra das palestras no canal do YouTube, ao lado de uma empresa parceira. Ele conta no que a dedicação ao projeto resultou:

“Há um ano, também por influência de tantas histórias ouvidas acabei largando o emprego formal e passei a investir meu tempo em projetos próprios”

O trunfo do Ossobuco parece ser exatamente estabelecer uma relação de empatia entre palestrante e espectadores. “Esse é nosso combustível. Sempre existem pessoas extremamente impactadas por alguma história que ouvem e vêm nos agradecer”, conta Helô. Ela entrou para o Ossobuco em 2015.

Paulista, Helô chegou a Brasília em 1980. Trabalhou como publicitária por 15 anos. Com as redes sociais, abriu-se um mundo novo e ela logo quis estar nele. Aprofundou-se na comunicação digital. Foi uma das primeiras a organizar grupos e eventos de instagramers, influenciadores dentro do Instagram. Montou a Lambe-lambe, empresa de impressão instantânea de fotos digitais. Ganhou visibilidade e foi convidada falar no Ossobuco. “Fiquei muito tempo como plateia. Ficava extasiada em ir para um lugar, escutar histórias de pessoas que são iguais a você. Há relatos dramáticos, engraçados e que emocionam.”.

O Ossobuco foi, em parte, responsável por outra guinada profissional em sua vida. “Por causa do evento e de todas as coisas que ouvia, comecei a encarar o trabalho de maneira diferente.” Há três anos, ela é sócia e gestora do coworking Co-Piloto. No Ossobuco, faz a apresentação do evento, define a ordem das conversas e atua na curadoria dos palestrantes.

Evento realizado pelo Ossobuco em março deste ano, com quatro palestrantes mulheres no palco, é considerado um marco pelos sócios.

A escolha de quem vai subir ao palco ocupa uma posição de destaque entre as preocupações dos organizadores. Não existe censura ou tutela quanto ao tema. Os interessados preenchem um formulário prévio. Depois da seleção, há um treinamento que segue uma metodologia própria para que o palestrante consiga contar melhor sua história e envolver o público por dez minutos. “O processo de construção da palestra é quase uma terapia. É feito com todo cuidado e respeito com aquela pessoa que aceitou se expor”, diz Helô. Denise, que divide a função da curadoria das histórias com ela, complementa: “Temos o privilégio de ir mais a fundo com cada contador e desvendar juntos de onde tudo surgiu. Isso dá uma energia muito grande de mudar a própria história e saber que é possível sair do convencional por um propósito pessoal”.

Foi assim que a própria Denise iniciou um processo de mudança. Carioca, ela morou e fez faculdade de publicidade em Brasília. Mudou-se para São Paulo por questões profissionais. Mas, por desejar mais qualidade de vida, voltou para a capital federal. Há cerca de dois anos, começou a frequentar o Ossobuco. “Estava em um momento em que desacreditava no mercado publicitário de maneira geral. Um dia, cruzei com Daniel e ele me perguntou se não queria entrar para o grupo. Não tive dúvidas. O Ossobuco me fez enxergar além”, conta. Recentemente, Denise deixou a rotina de agências e começou a trabalhar em uma fintech.

Além de ajudar na curadoria, ela coordena a divulgação nos canais de mídia e a logística do dia. Do lado de fora do evento, sempre há uma praça de alimentação com food trucks e um DJ. O objetivo é que as pessoas fiquem ali por mais tempo, trocando ideias sobre o que ouviram.

A BUSCA POR UM MODELO DE NEGÓCIO SUSTENTÁVEL

A estratégia da marca Ossobuco é pensada e executada pelos três voluntários. A ideia é crescer. Abrir o palco para convidados de fora de Brasília. Fechar parcerias, patrocínio e, quem sabe, monetizar o evento. Atualmente, tudo é feito com parceiros. Helô calcula que a estrutura completa de um evento, sem o auditório – cedido pelo CCBB —, custaria pelo menos 30 mil reais.

Os primeiros passos nesse sentido já foram dados. No início deste ano, aconteceu o primeiro Ossobuco temático, sobre educação, custeado por uma escola particular. Com o apoio, contrataram toda a estrutura profissional, como som e iluminação, além de uma empresa para cuidar da parte operacional. Também transmitiram as palestras fora do auditório com um telão e, ao vivo, pelas redes sociais, fizeram a tradução simultânea em Libras, entre outros incrementos. No total, a escola pagou 60 mil reais, incluído nesse montante o licenciamento do uso da marca Ossobuco. Outra conquista foi o especial em comemoração ao Dia Internacional da Mulher, quando quatro mulheres subiram ao palco. Helô fala sobre o que considera um feito:

“No início, os palestrantes eram basicamente homens. Engraçado é que eles sempre acham que têm histórias ótimas para contar. Já as mulheres pensam que ninguém vai se interessar pelo o que elas têm a dizer”

A próxima batalha é convencer as autoridades de que o evento é uma iniciativa cultural. Chegou a ser selecionado no Edital de Patrocínios Culturais do CCBB, que atualmente cede o espaço, mas foi barrado pelo governo federal. Um nova tentativa será feita.

Para quem iniciou o projeto lá atrás, as coisas seguem na direção certa. “Acho que estamos no caminho (graças a Helo, Vini e Denise) de encontrar um modelo de parceria com marcas que faça sentido para todas as partes. É só uma questão de tempo”, fala Daniel. “Fazer um evento como o Ossobuco significava conhecer quatro pessoas incríveis uma vez por mês, que influenciariam diretamente minha vida. Sinto falta de encontrar, conversar e trabalhar com essas pessoas na criação de uma história memorável que pode ser compartilhada em dez minutos”, diz o fundador saudoso, mas que mesmo à distância, sabe que o projeto segue cheio de tutano, na mãos dos amigos.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Ossobuco
  • O que faz: Realiza encontros em que pessoas comuns compartilham suas histórias
  • Sócio(s): Thum Thompson e Daniel Vieira Souza
  • Funcionários: 3 (Heloísa Pinho Rocha, Vinícius da Silva Santos, Denise Vianna Köche)
  • Sede: Brasília
  • Início das atividades: Março de 2011
  • Investimento inicial: Não houve
  • Faturamento: R$ 60.000 (em 2018)
  • Contato: [email protected]
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