“Se você está trabalhando com um problema real, é provável que seja bem sucedido em qualquer lugar”

Alex Xavier - 25 abr 2019
Uri Levine, cofundador do Waze e de uma dúzia de outras empresas, em evento no C6 Bank, em São Paulo (foto: Wanezza Soares).
Alex Xavier - 25 abr 2019
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O israelense Uri Levine, 54, não se cansa de mudar o mundo — e de falar sobre isso. “Um empreendedor pode fazer isso muitas vezes até o dia em que morrer”, afirma. Conhecido como um dos cofundadores do Waze, o app que transformou a forma como pessoas circulam nas grandes cidades (e foi vendido para o Google em 2013 por 1,1 bilhão de dólares), ele costuma rodar o planeta palestrando sobre disrupção.

Empreendedor serial, Uri fundou e é conselheiro de uma dúzia de empresas. O Moovit, por exemplo, indica itinerários de transporte público e dispara notificações. A Feex identifica taxas “ocultas” em investimentos e planos de previdência, alertando para oportunidades em outras instituições. O Engie permite diagnosticar problemas mecânicos no carro, localizar oficinas e pedir orçamentos. LiveCare (wearable de cuidado médico para idosos) e Seetree (controle de plantações com uso de inteligência artificial e Internet das Coisas) são outras startups da lista.

Em 2019, Uri já esteve duas vezes em São Paulo. A primeira em fevereiro, para participar da Campus Party. Na segunda, em abril, falou a um auditório lotado na sede do C6 Bank — e, em seguida, deu esta entrevista ao Draft:

 

Você se perdeu para chegar aqui?
(Risos) Não, eu vim andando, na verdade, desde o meu hotel.

No dia a dia, consegue se desconectar e se virar sozinho sem a ajuda do Waze?
Realmente, não me desconecto dele. Toda vez que eu dirijo, aciono o Waze. É importante para mim saber quanto tempo vai demorar para chegar ao meu destino. Por isso, sempre uso.

Após a venda do Waze para o Google, em 2013, você deixou a empresa. O que representou essa decisão na sua vida?
Sonhos maiores e maior capacidade de causar impacto. Agora, eu posso criar mais startups, posso direcioná-las, guiá-las, investir nelas e, essencialmente, fazer uma diferença maior para o mundo.

Você se incomoda de ainda ser lembrado como cofundador do Waze apesar de ter criado muitos outros apps bem sucedidos depois disso? Que outros negócios você criou que te deixam realmente orgulhoso?
A maioria das pessoas irá sempre me associar ao Waze, mas aos poucos isso está mudando, certo? Quando os novos aplicativos forem maiores do que o Waze, elas vão me associar a eles.

Tenho orgulho de todos os apps que eu criei. Todos eles estão resolvendo grandes problemas. Para mim, cada um que se torna bem sucedido ajuda a fazer o mundo um lugar melhor. Então, terei ainda mais orgulho

Quantas pessoas você tem ao seu redor só para desenvolver o conceito de um app?
Cada startup tem uma equipe diferente. Eu tenho um sócio que me dá o plano geral, mas o resto está dividido em várias equipes, com CEOs diferentes, times de execução diferentes. Para mim, é assim que fazemos acontecer. Cada um deles torce para que os outros grupos tenham êxito, mas eles não se envolvem nos demais projetos.

Em geral, seus apps têm escala global: estão em diferentes países, enfrentando diferentes problemas sociais e econômicos. O segredo é saber se adaptar a cada lugar ou fazer com que o lugar “se encaixe” ao seu modelo de negócio?
No fim, se você está trabalhando com um problema real, é muito provável que seja bem sucedido em qualquer lugar. O trânsito é um problema aqui, em Nova York, em Lagos, em Jacarta ou em Tel Aviv. É o mesmo problema. Pessoas odeiam engarrafamento. Não saber o quanto você está pagando em serviços médicos ou serviços financeiros ou qualquer tipo de serviço é também um problema comum. Você não sabe o que está pagando para o mecânico aqui e eu não sei o mesmo em Israel. E se acontecer de estarmos nos Estados Unidos ou em Paris, também não saberemos.

Contanto que você encontre problemas comuns bastante consistentes, a descrição deles será igual em todos os países. Então, é provável que a solução que oferece seja a mesma e você consiga se tornar global

Agora, se me falar de um grande problema aqui em São Paulo, como segurança nas ruas, como não enfrento isso em Tel Aviv, não há como eu possa pensar em uma solução. Não sinto o problema e as pessoas ao meu redor também não têm a percepção dele. Então eu não posso construir uma solução para isso.

Quais mercados estão hoje no limiar de uma disrupção mais profunda?

As disrupções ocorrem em vários mercados. Hoje, estamos aqui no C6 Bank e eles estão fazendo uma disrupção nos serviços financeiros. Mas não são os únicos a fazer isso. Pagamento móvel já faz isso. Novos tipos de AUM [“Assets Under Management”, gestão de ativos] farão isso. Um novo tipo de seguro fará isso. Então, há várias disrupções nesse mercado. A área de saúde passará por uma disrupção. Há muitos serviços médicos que podem ser substituídos por robôs ao longo das próximas duas décadas. Eles podem fazer a mesma coisa, mas são mais eficientes. Eles não se esquecem, eles não cometem erros, e isso é muito consistente. A indústria automotiva passará por uma disrupção, por causa dos veículos autônomos. Tantos mercados sofrerão isso, que, quando olhar para o passado, você vai se perguntar: o que é realmente importante aprender na escola? A resposta é aprender a aceitar as mudanças.

Os governos estão prontos para acolher e fomentar essas mudanças?
E por que se importar se os governos estão prontos ou não? Não é uma questão de governo. É a questão dos serviços e de usuários. Se os usuários estão prontos, então as mudanças acontecem. Se os governos querem fazer parte disso, isso é incrível. Se os governos querem encorajar isso, é ainda mais incrível. Mas estas mudanças vão acontecer de qualquer maneira.

Há 15 anos, todo motorista em São Paulo tinha um guia de ruas, de papel, no porta-luvas ou então conhecia a cidade “com a palma da mão”. Hoje o celular nos guia. Você acha que seremos substituídos pela inteligência artificial? Somos preguiçosos para realizar tarefas por nós mesmos?
Não, eu acho que vão existir cada vez mais ferramentas para facilitar a nossa vida. No final, há muita informação para consumirmos e precisamos realmente desses acessórios para processar tudo isso e nos entregar de forma mastigada.

Quando precisamos tomar uma decisão, ficamos sobrecarregados com tantos dados. E isso não é necessariamente melhor do que não ter informação nenhuma

Então, precisamos de ferramentas que nos ajudem a filtrar tudo e nos apresentar isso de um modo mais acessível para podermos agir.


Os brasileiros gostam de se ver como um povo criativo. Pensando em negócios, essa percepção faz sentido?

Eu diria que o ecossistema para startups no Brasil não é bom. Se você se perguntar quantas startups nasceram no Brasil em 2018, verá que este número é bem menor do que o de startups criadas em Israel no mesmo ano. E Israel tem uma população de 8 milhões de pessoas, um país muito pequeno. Se quisermos melhorar isso, então há certos pilares que precisam mudar.

Alguns obstáculos têm a ver com o governo, alguns têm a ver com a mídia, alguns têm a ver com educação.

Se você investir em uma startup minha em Tel Aviv, não pagará impostos lá. Se eu investir na sua startup no Brasil, pagarei impostos aqui. Também me responsabilizo se ela não funcionar, não é? Obviamente, isso não me encoraja a investir aqui

Enquanto isso, Israel incentiva os investidores estrangeiros a irem para lá. Então, esta regulamentação pode mudar.

Outra coisa, há poucos engenheiros. Simplesmente, não é suficiente o número de engenheiros no Brasil. Você pode mudar isso? O governo pode fazer algo sobre isso? Absolutamente, sim. O governo tem uma excelente ferramenta chamada tributação. Com isso, você pode alterar a direção de várias coisas.

Se disser que quem estudar Engenharia terá desconto por cinco ou dez anos no imposto de renda, inicialmente, as pessoas dirão que isso é injusto, certo? Mas perceba que teremos mais engenheiros. No início, eles pagam impostos mais baixos. Porém, depois de dez anos, na verdade eles pagam muito mais impostos, porque vão ganhar mais dinheiro. Há um benefício para todo mundo. Mas você precisa pensar a longo prazo, precisa pensar quais mudanças quer estabelecer.

A mídia também tem papel importante em fazer as pessoas pensarem em empreendedorismo.

Se você contar histórias de empreendedores, mesmo quando eles não forem bem sucedidos, vai motivar as pessoas a se tornarem empreendedoras também. E [isso] muda o mundo

Brasil e Israel estão mais próximos com o atual governo brasileiro. O que as startups israelenses podem ensinar às startups brasileiras?
Isso não tem nada a ver com o ambiente político. Brasil e Israel já são, na verdade, muito próximos, de qualquer maneira. Não tem a ver com o atual presidente aqui e com o atual primeiro-ministro lá. O fato de estes dois terem uma boa relação é incrível. Mas o ambiente de negócio não tem nada a ver com o ambiente político. Tem a ver com oportunidades. E para startups israelenses, muitas das minhas acabaram sendo bem sucedidas no Brasil: Waze, Moovit, SeeTree, Engie. Muitas fizeram sucesso no mercado brasileiro porque este é um mercado grande, mesmo com tantos problemas.

O que você aprendeu de mais importante como empreendedor?
Não tenha medo de falhar. Repito: não tenha medo de falhar. Na verdade, no final do dia, nós evoluímos com as falhas. É uma oportunidade de aprender mais rápido. E se você tem medo de falhar, então na realidade você já falhou. Porque você não vai tentar.

Quantas vezes você é abordado por um estranho dizendo que tem uma grande ideia?
Cerca de cinco vezes por dia. Mas não estou à procura de ideias. Eu procuro equipes que são capazes de executá-las. Se me pedem para dar minha opinião, fico feliz em compartilhá-la. Mas se essas pessoas me perguntam se eu quero pegar essa ideia e fazer alguma coisa com ela, a resposta é “não”. Eu quero que elas mesmas façam algo.

 

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