Olga e Eva são irmãs. Juliana, Maíra e Nana são amigas (Juliana e Maíra são também concunhadas). Juntas, as três deram à luz Eva. Já Olga, Juliana pariu sozinha.
Se essa ciranda de mulheres fosse uma história romântica, teria poliamor e desconstrução do conceito nuclear de família, liberdades defendidas pelo feminismo. Mas Juliana de Faria, 30, Maíra Liguori, 34, e Nana Lima, 31, além de amigas, são também sócias em uma recém-criada empresa de consultoria para marcas, agências, instituições, ONGs e órgãos públicos que queiram falar com mulheres de uma forma mais efetiva e menos estereotipada (ou ofensiva) do que a que vem sendo feita. Em referência simbólica (mas não religiosa) à primeira mulher, batizaram o empreendimento de Think Eva.
“Nossa proposta é capacitar esses agentes para trabalhar com uma maior representatividade feminina e gerar uma conversa respeitosa”, diz Juliana, jornalista e idealizadora do Think Olga, um site feminista que funciona como usina de ideias, espaço de discussão e disseminação de informação, e plataforma de empoderamento feminino.
Criado há quase dois anos, o Think Olga ganhou projeção nacional ao lançar uma campanha contra o assédio sexual no Brasil, a Chega de Fiu Fiu (o financiamento coletivo para um documentário da campanha foi a 4º maior arrecadação nas primeiras 24 horas da história do Catarse). Em dezembro, por causa do sucesso da campanha, Juliana estava ao lado de outras sete mulheres, escolhidas por serem mundialmente inspiradoras, em uma reportagem da revista Cosmopolitan americana em parceria com a Clinton Foundation.
Neste mês, a Juliana participa, em Nova York, da 57ª CSW (Commission on the Status of Women), evento da ONU, na Coalizão Internacional Contra o Assédio Sexual em Vias Públicas. Também apresentará no SxSW (South by South West), em Austin, discutindo o tema “Why does the Internet hate women?”. Em agosto, vai para a Turquia, selecionada pela ONG Global Attitude para integrar a delegação brasileira G20 Youth Summit. “Vai ser uma boa novidade fazer esse debate político-econômico com recorte de gênero”, diz ela.
Por essas e outras (e há muitas outras), a Olga é considerada irmã mais velha da Eva (é pelo nome próprio e precedido de artigo feminino que Juliana se refere às crias). Ainda assim, são iniciativas independentes e de perfis opostos: enquanto Olga se prepara para virar ONG, Eva já nasce businesswoman e sua força reside na associação de suas três criadoras.
O DNA DA EVA
O embrião da Eva surgiu em uma conversa casual entre as amigas que, apesar de seguirem carreiras diferentes, tinham público de interesse comum, o feminino, como Nana conta:
“Comentávamos que, mesmo trabalhando na publicidade, cada vez menos nos identificávamos com a maneira como esse mercado retrava e se direcionava às mulheres”
Na época, Juliana tocava a Olga (que não tem fins lucrativos) ao mesmo tempo em que fazia freelas para publicações femininas (como Elle e Harper’s Bazaar); Maíra, também jornalista, trabalhava com planejamento estratégico na CO.R inovação, uma consultoria para marcas e Nana, publicitária, estava morando em Barcelona, onde havia feito pós em Comunicação e Marketing de Moda, MBA e trabalhava na área de marketing da Desigual, rede catalã com lojas no mundo todo.
“A gente percebe que a maioria das marcas que fala com a mulher têm um jeito clichê e muitas vezes opressor de lidar com a feminilidade. Começamos observando alguns movimentos internacionais que confirmavam nossa visão de que dá para fazer diferente, dá para ser mais inteligente, mais criativo e também engajado”, fala Maíra.
Ao procurar dados sobre femvertising (junção dos termos feminism e advertising, de propaganda, em inglês), elas descobriram que as empresas que mudaram a estratégia de comunicação com o público feminino aumentaram tanto market share quanto faturamento e identificação com a marca — e em prazos bastante curtos. “No fim de 2014, a Adweek, [tradicional publicação americana sobre mídia e propaganda], organizou um painel de discussão sobre femverstising e constatou que muitas marcas perceberam que seu público não se identifica mais com alguns ideais retratados em campanhas publicitárias como o da ‘mulher passiva, objeto sexual e feliz por servir'”, diz Nana.
Decididas a entrar de cabeça no novo negócio, Maíra pediu demissão em dezembro, mesmo mês que Nana voltou ao Brasil impulsionada pela crise europeia. A diferença é que trocou as entrevistas de emprego em multinacionais (já havia feito algumas) pela sociedade na Eva. “Está sendo uma aprendizado muito gratificante. Estou colocando em prática tudo que aprendi no MBA [ela estudou na Esade Business School, uma das dez melhores da Europa] sobre finanças, marketing, estratégia, operações, recursos humanos”, conta Nana.
TIMING É TUDO: UM MÊS DE VIDA E A CLIENTELA JÁ SE FORMA
A resposta do mercado está sendo bastante positiva. Com apenas um mês de vida — Eva nasceu oficialmente dia 5 de fevereiro – e, mesmo sem ainda ter feito prospecção, já possui clientes de peso como Petrobras e a revista Marie Claire. O timing não poderia ser mais apropriado. Também em fevereiro, duas marcas no Brasil foram bombardeadas nas redes sociais por lançarem campanhas totalmente desconexas com a realidade feminina. Uma delas, a cerveja Skol, teve de retirar anúncios que diziam “Esqueci o ‘não’ em casa” (em alusão a uma pretensa permissividade sem limite da mulher que bebe) depois que uma publicitária e uma jornalista alteraram a imagem com fita adesiva complementando o anúncio com a frase “e trouxe o ‘nunca’”. Fotografaram, postaram e mobilizaram as redes.
“A campanha tinha a intenção de passar uma mensagem de liberdade, mas o carnaval é território fértil para opressão, misoginia e violência contra a mulher. É o tipo de situação que requer cuidado e uma visão mais sensível sobre as mulheres e a questão de gênero”, afirma Maíra.
De acordo com Nana, os casos fortalecem o comprometimento das três sócias com a missão da Eva de melhorar a representatividade da mulher na mídia brasileira. “Há uma necessidade do mercado e das consumidoras, que não está sendo suprida e para a qual podemos oferecer nosso know-how”, diz.
Em termos práticos, a consultoria oferecida pela Eva utiliza ferramentas como pesquisas de mercado, mapeamento de categorias e testes de campanha e o objetivo, segundo as empreendedoras, é customizar os projetos o máximo possível, fechando um diagnóstico preciso. Elas também produzem conteúdos e fazem palestras — há uma série sendo produzida para o Sesc em comemoração ao Dia da Mulher.
Paralelamente, a Eva lançou uma pesquisa, ainda aberta, para avaliar a visão do público sobre participação e representação da mulher no jornalismo e na publicidade. A ideia é ouvir não quem produz mídia, mas quem a consome. Além disso, a pesquisa pode ser respondida tanto por homens quando por mulheres, de todas as idades. O resultado sairá ainda no primeiro semestre deste ano.
O investimento inicial da Eva foi de 15 mil reais, fruto das economias de cada sócia e utilizado, principalmente, para gastos com identidade visual, web, contador, advogado. Nesta primeira fase, a nova empresa funciona bastante em esquema de “coffee office” — é que quando não estão em reunião com clientes, as três se reúnem em cafés na zona oeste de São Paulo, onde Juliana e Maíra moram e para onde Nana está de mudança. Segundo elas, a Eva dá possibilidade para que criem a forma como querem trabalhar. Liberdade que vai da estrutura física à falta de hierarquia: elas não acreditam nisso. “Dividimos os trabalhos por project leaders. Como temos perfis complementares, prezamos por uma troca constante de conhecimento tanto interna como com agentes externos que tenham a ver com a nossa missão”, diz Nana.
A sintonia não é gratuita: as três se conhecem desde 2008 e, além de laços de amizade, há também os de família: como os maridos de Juliana e Maíra são irmãos, as duas são concunhadas. E, junto com Nana, mães da Eva. Que, aqui, é o vínculo de maior importância.
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