Verbete Draft: o que é Direito ao Esquecimento

Isabela Mena - 16 jan 2019
Me esquece! Parece simples, mas é praticamente impossível ser "apagado" das redes sociais e da internet. Entenda o que é Direito ao Esquecimento e quando deve ser aplicado (para não virar censura).
Isabela Mena - 16 jan 2019
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Continuamos a série que explica as principais palavras do vocabulário dos empreendedores da nova economia. São termos e expressões que você precisa saber: seja para conhecer as novas ferramentas que vão impulsionar seus negócios ou para te ajudar a falar a mesma língua de mentores e investidores. O verbete de hoje é…

DIREITO AO ESQUECIMENTO

O que acham que é: O mesmo que Lei Geral de Proteção de Dados.

O que realmente é: Direito ao Esquecimento (Right to be forgotten, em inglês) é o conceito que trata do direito que uma pessoa tem de requerer à Justiça que determinadas informações sobre si não sejam expostas publicamente (em um programa de televisão, por exemplo) ou que sejam apagadas ou desindexadas — estes dois últimos pontos, mais especificamente, no caso de estarem na web. E é justamente esse novo espaço — o online —, que perpetua e prolifera dados humanos, o responsável pela popularização do Direito ao Esquecimento no mundo todo. Especialistas debatem e há controvérsias.

Os Estados Unidos não possuem legislação a respeito. Na União Europeia, o Direito ao Esquecimento está previsto no artigo 17 da GDPR (General Data Protection Regulation), ou seja, é lei. Embora inspirada no modelo da UE, a Lei Geral de Proteção de Dados brasileira (sancionada em agosto de 2018) não prevê o Direito ao Esquecimento mas, sim, o direito à eliminação de dados, o que é diferente. Neste último caso, segundo Eduardo Magrani, advogado e coordenador do ITS Rio (Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro), o titular dos dados pode pedir que sejam eliminados caso cesse um contrato específico que tinha com a empresa que os veicula. “Significa que depende de contratação prévia como, por exemplo, alguém que tem uma conta em uma rede social e decide fechá-la e requer que tudo a seu respeito seja apagado”. Vale dizer que essa lei já estava prevista no Marco Civil da Internet, de 2014.

Ainda assim, existe como construção jurisprudencial (ou doutrinária) e é o Enunciado 531 de interpretação de normas do Código Civil, aprovado por um grupo de desembargadores na VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal. O texto do Enunciado diz que “a tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o Direito ao Esquecimento”. Para Beatriz Accioly, antropóloga e pesquisadora da Universidade de São Paulo, o Direito ao Esquecimento é um direito que todos possuem de limitar que questões embaraçosas ou que trazem julgamentos morais e dificultosos, sejam divulgadas para o público em geral. “Em tempos de redes sociais e exposição de intimidade sexual muitas vezes sem consentimento, essa doutrina é de extrema importância”, diz. E acrescenta: “Temos que responsabilizar mais os usuários e provedores quanto aos conteúdos colocados na rede, bem como aos desenvolvedores de tecnologia em relação a soluções para problemas trazidos pela popularização do universo digital.”

Quem inventou: Foi sugestão do desembargador Rogério Fialho Moreira, do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que o Direito ao Esquecimento fosse um dos enunciados na VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.

Quando foi inventado: O Enunciado 531, em abril 2013. A GDPR é de maio de 2018.

Para que serve: Em linhas gerais, para proteger a dignidade das pessoas.

Quem usa: Na Espanha, em 2104, um homem venceu o Google em seu pedido para que o aviso de leilão de sua casa, publicado no site de um jornal de grande circulação na Catalunha, em 1998, fosse excluído do buscador. A sentença, dada pelo ECJ (European Court of Justice) é considerada uma histórica e um marco do Direito ao Esquecimento (é anterior à GDPR e foi embasada na diretiva de lei de proteção de dados).

Depois desse caso, houve milhares de ações contra o Google. Uma delas, proposta na França pela National Commission for Information Technology and Civil Liberties (CNIL), semana passada, teve um entendimento que pode impactar o mundo todo. É que a CNIL queria que o nome de um indivíduo fosse removido dos mecanismos de busca globais do Google e a opinião preliminar da ECJ é que seja removido apenas dentro dos limites da UE. O entendimento é apoiado por organizações britânicas e internacionais de liberdade de expressão, segundo as quais a extensão dos limites da remoção poderia encorajar a censura em países como China, Rússia e Arábia Saudita.

No Brasil, entre outros casos, em maio de 2018, uma promotora de Justiça do Rio de Janeiro teve ganho de causa e concedido Direito ao Esquecimento no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sobre o Google e outros sites de busca, para que, em caso de busca por seu nome, não houvesse referência a uma acusação de fraude em um concurso público da qual havia sido inocentada em 2007.

Efeitos colaterais: Perigo de limitar a liberdade de expressão e o acesso à informação (que são princípios constitucionais); abrir precedente para a censura; apagar dados de interesse público. Magrani diz que é preciso haver a ponderação do interesse da coletividade em conhecer o fato que se pretende apagar e ser considerado se a pessoa que requer o Direito ao Esquecimento é pública ou privada, já que a pública tem o espectro de proteção à privacidade reduzido em comparação à privada. “É algo que está discussão na academia, na área de pesquisa e no legislativo. E volta e meia entra como tema de projetos de lei.”

Quem é contra: A questão não é ser contra a existência do Direito ao Esquecimento mas, sim, à sua aplicação irrestrita, sem que sejam observados todos os pontos elencados nos itens anteriores.

Para saber mais:
1) Leia, no Guardian, os textos EU court backs ‘right to be forgotten’: Google must amend results on request, sobre o caso acontecido na Espanha e ‘Right to be forgotten’ by Google should apply only in EU, says court opinion, sobre a questão do limite espacial da pena.

2) Leia, no Consultor Jurídico, “Direito ao esquecimento deve ser aplicado de maneira excepcionalíssima”, entrevista com Sérgio Branco, especialista em Direito Autoral, fundador e diretor do ITS Rio e autor do livro Memória e Esquecimento na Internet (Editora Arquipélago), que trata sobre o tema.

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