A estrada faz parte do caminho de Augusto Gutierrez, 33 anos. Ele nunca passa muito tempo no mesmo lugar. Como bom “buscador”, como se autodefine, Augusto nunca quis se aprisionar em um único assunto específico. Sempre prezou a liberdade e busca, até hoje, encontrar o que de fato quer fazer – entender, enfim, qual é o seu papel no mundo. Ele é um dos fundadores do Catete 92, um espaço “livre e colaborativo”, autogerido e que é um dos expoentes da cultura criativa em rede no Rio de Janeiro. Mas a linha básica que entrelaça todo o seu caminho é uma só: o contato intenso, verdadeiro e apaixonado com pessoas. Muitas e muitas delas.
Augusto é paulistano e formado em Biologia. Sua trajetória profissional começou em Serra Grande, no sul da Bahia, onde foi fazer sua pesquisa para a monografia de conclusão de curso. Começou a trabalhar com conselhos de unidades de conservação ambientais, fazendo a gestão participativa de certas áreas protegidas pelo Instituto Floresta Viva, e morou em uma vila de pescadores por ali durante quase três anos.
Neste período, que começou em 2005, deu aulas em uma escola pública e uma outra ONG, além de se tornar também guia turístico. Em 2007, recebeu uma proposta para voltar para São Paulo como coordenador de projetos do Instituto Jatobás na cidade de Pardinhos, no interior do estado. “Foi ali que comecei a me ver no papel de facilitador, não criando projetos, mas ajudando as pessoas que estavam ao meu redor a tirar seus próprios projetos do papel”, conta ele.
Em 2010, voltaria para a terra natal, São Paulo, com objetivo de tirar um ano sabático e refletir sobre o que gostaria de fazer dali para a frente. Foi quando entrou em contato com o então Hub, hoje Impact Hub, por meio de amigos. O Hub é conhecido como o primeiro coletivo de coworking do mundo: surgiu em 2005, em Londres, e se espalhou pelo planeta. Em 2008, a empresa abriu uma filial em São Paulo, com foco em impacto e inovação social.
“Eu não queria mais trabalhar em ONGs, pois percebi como a dependência de recursos externos tornava o sistema vulnerável”, diz Augusto. Assim, sem muita expectativa e em um momento de abertura a novas possibilidades, começou a trabalhar no festival Hub Escola. Era um mês de eventos, oficinas, workshops e palestras oferecidos pelos membros da rede do Hub – empresas, freelancers e intelectuais. A experiência o tocou:
“A convivência dentro de um mesmo espaço de gente que pensa de forma semelhante e que tem vontades latentes e o desejo de criar junto formou um coquetel que fez uma explosão em mim”
Desta forma, ele decidiu participar de um encontro internacional de pessoas interessadas em abrir novos Hubs mundo afora. E mudou-se para o Rio de Janeiro com dois objetivos em mente: ficar mais perto da namorada carioca e abrir o Hub Rio.
Em 2011, Augusto chegou ao Rio sem conhecer ninguém. “Um dos meus maiores sustos ao chegar lá foi descobrir que não havia uma massa crítica bem estabelecida com quem se pudesse discutir inovação, não existia um movimento organizado. As pessoas não estavam conectadas”, conta. Começou, então, a fazer contatos, entrevistas e encontros abertos com gente potencialmente interessante para o Hub – empreendedores, artistas, makers de todo tipo – para entender o espírito do espaço de coworking, conceito até então inexistente no Rio.
MUDAR DE CIDADE PARA MUDAR A CIDADE
O festival de aprendizagem Hub Escola carioca durou uma semana e seu processo de preparação levou os 13 principais organizadores a se reunirem todas as quartas-feiras durante três meses. A renda para montar o evento veio de crowdfunding e do laboratório de experiências criativas Benfeitoria, que cedeu 13 mil reais ao projeto. A semana foi um sucesso, como já anunciavam suas versões precedentes na Europa e em São Paulo. Em 2012, o grupo de cofundadores, que botaram de pé o Hub Escola no Rio, acabou se restringindo a duas pessoas: Augusto e Vinícius de Paula Machado, os únicos de fato dispostos aos riscos de empreender aquele grande projeto.
“Mergulhamos nos números, fizemos curso de empreendedorismo criativo na Perestroika, investimos dinheiro pessoal e paramos de fazer os eventos e reuniões mensais para ver o que de fato precisaríamos para abrir o Hub Rio. Depois de muita análise, percebemos que seria caro demais e não faria muito sentido abrir um espaço nos moldes rigorosos que o Hub exigia. Desistimos”, diz Augusto.
No Fórum Mundial de Negócios Sociais de 2012, Augusto conheceu os fundadores da empresa Matéria Brasil, que funcionava em uma casa no centro da cidade. “Eles me disseram que tinham espaço livre por lá e que poderíamos tocar algum projeto juntos”, conta: “Era uma época em que eu estudava ciência de redes. Não queria criar um espaço físico, mas uma rede de espaços ociosos que se transformariam e ativariam todo um território, não só uma casa dentro de um bairro”.
No ano seguinte, Augusto viraria o gestor da Goma, associação de empreendedorismo com foco em inovação social que surgia da união entre a iniciativa Hub Rio, de Augusto, Vinícios e Úrsula Araújo, e o Matéria Brasil. “Foi uma experiência ótima. Só me incomodava o fato de haver um processo de curadoria de empresas participantes que pagavam para usar o espaço, além da necessidade de ter um gerente para organizar tudo. Eu não acreditava nisso”, afirma.
Em setembro de 2013, Augusto fez parte um encontro que seria definitivo para o surgimento da Catete 92, “um espaço livre de criação e aprendizagem”. Oswaldo Oliveira acompanhou a criação do Catarse, em Porto Alegre, por uma empresa de tecnologia chamada Engage. Os sócios da Engage foram pioneiros na ideia de trabalhar em nuvem, fora de um centro único, mas cada um em um lugar. Quem restou in loco na Casa Liberdade – como ficou conhecida a sede no Rio Grande do Sul – decidiu criar ali um espaço colaborativo concebido para ser autogerido e sem hierarquia.
ENFIM, O ENCONTRO COM O QUE QUERIA SER
“Me dei conta que toda a minha trajetória, isto é, onde meu rio queria que eu desaguasse, era algo muito parecido com aquilo”, diz Augusto. Depois de um fim de semana de conversas com Oswaldo, Augusto rompeu com a Goma de forma certeira e emocionada: era o fim de três anos de incertezas. Ele descobria sua verdadeira vocação de facilitador, e começava a se lançar como freelancer em projetos em parceria com empresas como Natura, Rio Criativo e Petrobras.
“O trabalho de facilitador envolve você estar diretamente relacionado com um grupo de pessoas com desafios em comum. Envolve planejamento estratégico e, sobretudo, conversas intensas para que as pessoas consigam ir além do superficial”
Depois de um período em carreira solo, uniu-se aos amigos designers Felipe Duarte e Guilherme Maueler, que compartilhavam dos mesmos ideais e decidiram alugar uma casa no bairro do Catete, no Rio, onde montariam um espaço de experiências coletivas.
Com um aluguel de 6 mil reais, o Catete 92 abriu as portas em abril de 2014 com contas abertas, agenda aberta e contribuições financeiras voluntárias de todos que ali organizam eventos. O fácil acesso atrai um grande fluxo de pessoas, a priori conhecidos dos três fundadores. Não existe hierarquia, curadoria ou pré-seleção. “A desobstrução de acesso é um dos principais objetivos da casa: todos podem usá-la”, diz Augusto. A casa funciona acreditando no paradigma da abundância, diametralmente oposto ao da escassez, que é o mais comum na nossa sociedade. Consiste em distribuir o que se tem, para que exista sempre mais.
Basta entrar no site e marcar o seu evento na agenda – o calendário é aberto a todos. Ou então, basta ir até lá, levar seu laptop e começar a trabalhar. Ou passar um tempo por lá para descobrir se é o local ideal para algum curso que você queira oferecer. “Se eu te falar o que é, eu posso estar definindo caminhos que eu não quero. É você que vai decidir como usá-la e para que, sendo por isso corresponsável por ela”, diz ele. Todos os cantos da casa têm convites à colaboração, desde plaquinhas de “lave a louça” quanto incentivos a contribuir com o desafio mensal de contas a pagar.
Mas Augusto parece incansável. Mesmo com o sucesso da casa, o mais próximo que chegou de seu ideal libertário, ele ainda tem críticas, e fala como se nunca fosse parar de buscar. Seu foco está hoje, e sempre esteve, nas relações que estabelece com outros seres humanos. “Se no mês que vem nós não conseguirmos colaborações suficientes para fechar as contas, vamos ter que fechar a casa, e isso para mim não seria um fracasso, pois o mais importante são os contatos que estamos estabelecendo”, afirma.
Augusto acredita fielmente que as pessoas produzem mais e melhor se não forem pressionadas por uma forte base hierárquica. Novas empresas compreendem isso, e outras muito fincadas nas estruturas tradicionais começam a ruir. Augusto segue movimentando, tanto a Catete92 quanto seus projetos como facilitador em parceria com grandes empresas. E segue com sua convicção: “Não quero catequizar ninguém de algo genial que venha a descobrir. Meu interesse é praticar novas formas de usar as riquezas que nós temos, sejam dinheiro ou conhecimento e experiência, com outras pessoas interessadas em praticar também”.
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