Há dois anos, a Goma Oficina, que reúne iniciativas ao redor da arquitetura e da produção de imagens, foi convidada para fazer uma intervenção durante a Virada Cultural, evento da prefeitura de São Paulo com atividades artísticas de ocupação da cidade. O convite botou o grupo para trabalhar junto mais uma vez — o que eles adoram, já que estão no mesmo barco desde 2009. E, assim, conceberam e executaram a Lanterna Viva, um teatro de sombras mesclado com música ao vivo e dança. O projeto teve a colaboração de quase todos os membros da Goma, que atuaram da pré à pós produção: articulação, concepção e montagem arquitetônica, mobiliário, vídeo, foto. Deu certo e o trabalho mostrou ao grupo sua própria força criativa.
A Goma Oficina (não confundir com a GOMA, do Rio) é uma empresa que se define como uma plataforma horizontal de produção, com profissionais que atuam em arquitetura, mobiliário, maquete, intervenção urbana, cenografia, vídeo, ilustração, animação, fotografia e projeto gráfico. É também uma experiência de espaço e trabalho compartilhados, embora eles não queiram ser definidos apenas assim, pois são mais que isso.
A história dessa turma começa com a reforma de um armazém apertado na Santa Cecília, bairro do centro de São Paulo. Era 2009 e cinco arquitetos buscavam um teto para seus projetos. Recém formados pela Escola da Cidade, universidade de Arquitetura e Urbanismo que propõe revisitar a ocupação de espaços, se encantaram com o imóvel localizado à rua Dr. Carvalho de Mendonça 200, que já havia sido bar e oficina de carros antigos.
Assinaram contrato no final daquele ano, logo transformaram o galpão em oficina de trabalho. Em pouco tempo começaram a virar projetos de maquete, mobiliário, cenografia, aquitetura, intervenção urbana, expografia, animação, video clipes, as iniciativas foram se estabelecendo e o grupo cresceu. Há poucos meses reformaram e ocuparam também o imóvel da rua Dr. Carvalho de Mendonça 174, vizinho de calçada.
“Cara, seja bem vindo, fica à vontade para comer. Aqui o almoço é um dos pontos de encontro. Fazemos esse rateio mensal e todo dia tem comida caseira, feita pela Leticia. Almoça e depois a gente conversa, agora me dá licença que vou ali na oficina montar uma estante”, diz Vitor Pena, 28, um dos arquitetos criadores da Goma Oficina e também da O.d’O, a Oficina do Objeto, produtora de mobiliário modular.
O primeiro prédio, o do número 200, foi a única casa do grupo entre 2009 a 2013. É seu laboratório que vem sendo continuamente reformado desde o começo. Começou com dois banheiros, uma parede foi retirada e um deles virou copa. Depois, fizeram o telhado no fundo e transformaram o quintal num deque. A mão continuou coçando e os arquitetos precisaram tirar mais algumas paredes. Já mudaram a copa de lugar, refizeram o piso, não parece que vão parar tão cedo de mexer no espaço. E, no processo, foram entendendo seu grupo.
O galpão da Goma Oficina tem maquinário para trabalhar com plástico, metal e madeira, para fazer móveis, protótipos e cenografia; uma máquina de corte computadorizado, pequena, que faz protótipos de Arquitetura; oficina de eletrônica, que produz circuito, painel luminoso. Também há ali a maquetaria, que são máquinas para um trabalho mais fino, muito preciso no corte de madeira, acrílico, policarbonato, principalmente para estudo ou apresentação de projetos. Algumas bancadas de trabalho, pilhas de material e paredes recheadas de ferramentas compõem o galpão/oficina.
ESTAVA TUDO BEM, MAS MEIO CAÓTICO DEMAIS
Por volta de 2013, eles começaram a perceber a necessidade de mais tranquilidade, de um lugar onde pudessem receber parceiros e trabalhar no computador sem ter uma serra ligada logo ali ao lado. Em 2014, alugaram uma sala comercial em um edifício a uma quadra dali. Por um lado funcionou, esclareceu que certas atividades precisam de espaço próprio, o que levou à aproximação de mais pessoas ao grupo. Por outro lado, deu ruim: era um prédio com elevador, porteiro e horário para fechar, o que limitava os criativos trocadores da noite pelo dia que resolvem serrar madeira de madrugada.
Saíram em busca de um novo espaço e o imóvel localizado à rua Dr. Carvalho de Mendonça 174 se revelou. Estavam procurando na região e o encontraram vazio, na mesma quadra da oficina. Era um barzinho há muito tempo fechado, estiloso e decadente. Tão decadente que até a placa de aluga-se havia caído do muro, perceberam que estava vazio pelo convívio de calçada. “Ué, e esse espaço?”, foram sondar e encontraram o proprietário disposto a negociar. Ele gostou do projeto modelado em 3D e da seriedade com que falavam da criação de um mezanino metálico, de um uso diferente para o espaço, da vontade de criar ali uma galeria de arte. Além disso, também adorou a possibilidade de otimização de 60 para 90 metros quadrados, complementando o térreo com dois mezaninos e uma passarela. Contaram, então, com o investimento fundamental do proprietário, que colocou 15 000 reais, um terço do valor total da obra.
NA HORA DE ARRUMAR A CASA, CADA UM ENTENDEU O SEU PAPEL ALI
Mas ainda faltavam 30 000 reais. E aí a Goma Oficina se reinventa. A necessidade de realizar essa expansão produziu uma chamada de capital interna, onde todos os membros do grupo foram convidados a serem investidores e também futuros gestores da iniciativa. Seis membros toparam o negócio, cada um contribuiu com 5 000 reais e, assim, se tornaram o grupo gestor da empresa. O processo propôs um novo ciclo de organização, com técnicas de gestão corporativa para equilibrar a produção criativa com a necessidade de profissionalização.
Se por um lado a reforma do galpão foi um laboratório de amadurecimento para o grupo, a reforma do escritório foi ainda mais fundo e consolidou um novo conjunto de acordos coletivos. Organizar a gestão da empresa fez com que eles entendessem os papéis de cada um, qual é a responsabilidade de cada área e quem vai realizar o que, com qual regularidade. Trouxe também procedimentos de reunião, com objetividade, ata e frequência.
No fim das contas, como quase todo arranjo colaborativo, o que forma o grupo é articulação ao redor dos espaços físicos e do mundo digital, como conta Rodrigo “Digão” Gonzaga, 27, um dos arquitetos responsáveis pela AeO:
“A gente estabelece uma relação de cooperativismo. Se tenho uma dificuldade em algum projeto, tento sanar por meio de uma virtude de alguém que está ao meu lado, mas sem obrigação, sem dívida”
Uma vez, é verdade, eles tiveram um ruído forte nessa dinâmica. Uma pessoa alugou o espaço com mentalidade de “cliente” de um coworking. Mas a proposta na Goma é mais orgânica e menos hierárquica. “Quem vem para cá tem que entender a relação de parceria, de colaboração e não de prestação de serviços. Não dá pra ficar apontando dedo para o que está fora do lugar, tem que pôr a mão na massa, ir lá e resolver. Não estamos aqui oferecendo serviço de aluguel de espaços de trabalho. Estamos construindo outra coisa, um grupo que se quer bem. Queremos mãos, e não dedos”, diz Maria Cau, 25, arquiteta e cenógrafa.
ENTRE A SOLIDEZ E A LIBERDADE
A ideia é construir um espaço que receba e dê mais segurança às iniciativas autônomas, buscando um meio do caminho entre a solidez de uma empresa hierárquica tradicional e a liberdade de criação do autônomo. O mês de um local de trabalho na Goma Oficina hoje custa 550 reais. A verba é utilizada para rachar os custos e formar um caixa para investimento, cujo uso é discutido em reunião, analisando as demandas de cada área. Além disso, projetos com gestão da Goma Oficina deixam um percentual de contribuição para o coletivo, que vai para o caixa de investimento.
Hoje, estão ancoradas na Goma Oficina 11 iniciativas:
AeO — Projetos de arquitetura, gerenciamento e gestão de obras
O.d’O — Oficina do objeto, faz mobiliário modular e outros móveis
Serra Copo — Mobiliários planejados, sob demanda
Tanaka — Maquete de estudo, de apresentação, miniatura de mobiliário e arquitetura
LR Foto — Fotografia de arquitetura e fotografia autoral
Fernando Banzi — Fotografia de produto e serigrafia
Juão Vaz — Design, identidade visual e marca
Mcau — Cenografia e projeto gráfico
FlyHack — Automação de objetos e obras, fotografia e arquitetura
RMI — Ilustração, grafite e arquitetura
Forjaz — Ilustração, grafite e design
Um dos projetos em execução pela Goma é a reforma da sede, de 250 metros quadrados, da Giral, consultoria focado no relacionamento entre o mundo corporativo e comunidades. Projeto e execução são da AeO, enquanto o mobiliário está sendo executado por O.d´O (sala de computadores) e Serra Copo (sala de reunião). Outro projeto que articula diversas iniciativas dentro da Goma é a banda infantil Tiqueque, que teve identidade visual realizada por Juão Vaz, cenografia pela Mcau e objetos pela O.d´O. Além destes, as iniciativas também estão executando hoje projetos de cenografia, fotografia, diagramação, criação de sites, maquete, entre outros.
Enquanto escrevo este texto, em uma das bancadas do escritório, Digão se aproxima e convida: “Você vai ficar aí até a noite? Se ficar, depois vamos jogar um pingue-pongue e fazer um happy hour no galpão? Tem uns tambores lá, um monte de instrumento. Bora?” Teclado, violão, zabumba, pandeiro, ganzá, entre outros, estão disponíveis e quase todo mundo se mete a tocar, encontrar um som. Para extravasar, no final do dia, é uma coisa natural, um pega o violão, outro o pandeiro, na esquina tem um bar. É um momento de escape, para relaxar e soltar a cabeça.
A empresa nasceu buscando construir uma liberdade profissional pós corporativa, acordos baseados mais na colaboração do que na hierarquia. Hoje, seu desafio é fortalecer a marca Goma Oficina como representação dos selos. Eles estão refazendo o site, criando o conceito, entendendo que exposições vão receber e que produtos vão vender em sua loja. João Wallig, 27, também arquiteto e um dos fundadores da Goma, da AeO e do O.d’O, finaliza: “O futuro é dar estabilidade para as iniciativas que já estão por aqui e assim abrir espaço para novas empresas. É uma relação de mão dupla, fortalecer um é fortalecer o outro. Sempre fomos muito gregários, é uma das graças da história”.
Allan e Símon Szacher empreendem juntos desde a adolescência. Criadores da Zupi, revista de arte e design, e do festival Pixel Show, os irmãos agora atendem as marcas com curadoria, branding, vídeos e podcasts através do estúdio Zupi Live.
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