Numa pesquisa de opinião tradicional, os participantes têm contato com algum produto ou propaganda e depois respondem a perguntas, de forma individual ou na velha e boa dinâmica de grupo, sobre o que eles acharam da experiência. Em seguida, avaliam de forma racional, os pontos fortes e fracos do objeto da pesquisa. É neste momento que a marca tenta encontrar respostas valiosas para as perguntas que fundamentarão sua estratégia de marketing e vendas.
Agora, e se a gente conseguisse entrar na cabeça de cada um desses participantes e obter essas respostas de forma não consciente, através de uma análise objetiva das reações emocionais das pessoas? Este é o trabalho da Forebrain, startup carioca pioneira no neuromarketing no Brasil. Neuromarketing é uma técnica de pesquisa que utiliza recursos da neurociência para avaliar reações emocionais e fisiológicas das pessoas, explorando desejos e intuições. Billy Nascimento, 33, um dos fundadores da Forebrain, afirma ser possível entender o que está no inconsciente do consumidor, mesmo que ele não consiga verbalizar. O cientista tornou-se empreendedor e oferece como serviços o que chama de “Pesquisas em Neurociência do Consumo”, e que podem ser usadas para gerar insights no desenvolvimento de produtos, em campanhas de marketing e comunicação.
Em 2005, ainda na graduação de biomedicina na UFRJ, Billy participou de um evento em que um dos palestrantes era um pesquisador inglês que era fundador da primeira empresa que usava neurociência aplicada ao marketing, a inglesa Neurosense. O jovem cientista ficou encantado com o que viu e decidiu direcionar sua carreira acadêmica para esse campo. No mestrado, ele se especializou em neuroeconomia para entender os processos de tomada de decisão econômica. Durante o doutorado de Billy, o Ministério da Saúde o convidou para desenvolver os alertas antifumo de embalagens de cigarro, que estão aí até hoje.
Dentro desse ecossistema acadêmico ele foi monitorando como as empresas de neuromarketing forma de desenvolvendo pelo mundo. Terminando o doutorado, já havia um punhado de cases de sucesso nessa área pelo mundo e ninguém nem cogitava fazer isso aqui no Brasil. Era a janela de oportunidade.
“Fui até a incubadora Coppe da UFRJ e apresentei a minha ideia. Eu achava que ainda não era hora de abrir um negócio porque não tinha dinheiro”, diz. “Foi quando me disseram que, se eu tivesse uma boa ideia, o dinheiro viria naturalmente.”
Essa conversa com o pessoal da Coppe foi definitiva para Billy convidar a amiga biomédica e parceira de laboratório Ana Carolina Souza, 35, a deixar a vida acadêmica para empreenderem juntos. Em 2010, o projeto Forebrain foi um dos cinco selecionados, entre 40 candidatos, a se instalar na incubadora. Nos dois primeiros anos, eles receberam assessoria da Coppe e trabalharam na estruturação do modelo de negócio da empresa, definindo o que poderiam vender para clientes que eles nem tinham ainda. Billy lembra deste momento:
“Foi uma época complicada. Nós entendíamos muito de ciência e nada de negócios. Também não tínhamos grana. Recorremos à ajuda de familiares e amigos para comprar um computador, quatro cadeiras e um ar condicionado”
Billy e Ana acreditam que o maior desafio dessa história foi sair do laboratório de pesquisa e cair no mercado. Eles dizem ter sido um processo doloroso e trabalhoso, mas que encontraram uma forma de usar o background acadêmico e científico para ajudá-los na transição.
“Quem é cientista sabe que padrões e modelos se repetem, no sucesso e no fracasso. Para saber quais modelos seguir, pesquisamos os de maior sucesso e como implementá-los dentro da nossa realidade. Encontramos e estudamos os modelos de desenvolvimento de startup do Vale do Silício: Lean startup, Canvas e o Four Steps to the Epiphany, e a partir deles estruturamos a Forebrain”, conta Billy. Eles também se aproximaram de gente que atuava em marketing e vendas, como o pessoal do Predictable Revenue, que os ajudou a projetar resultados previsíveis de vendas em escala. “Tudo isso ajuda muito quem tem uma mente científica a entender que você não precisa reinventar a roda para empreender. Existem modelos de sucesso comprovados.”
QUANDO O CIENTISTA VIRA EMPREENDEDOR
Em 2012, a Forebrain entrou no mercado, depois que o aporte de um sócio investidor (de valor não revelado, mas da ordem de “centenas de milhares de reais”) permitiu a compra de equipamentos para o primeiro laboratório da empresa. Além disso, contaram com bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) para contratar pesquisadores.
“A partir do terceiro ano de operação fomos conquistando bons clientes e a coisa foi evoluindo. Com laboratório próprio e uma equipe de pesquisa pudemos desenvolver novos negócios que não existem nem fora do Brasil. A gente inovou aplicando muita tecnologia, tentando entender como poderíamos escalar mais ainda os produtos e serviços que oferecemos”, conta Billy.
Hoje a Forebrain está sediada em um escritório-laboratório no Centro do Rio de Janeiro e conta com um corpo de cinco colaboradores de nível doutorado e outros de nível mestrado, divididos em quatro áreas: Negócios e Marketing, Operação e Pesquisa, TI e Administração.
Dos tempos de incubadora até agora, a lista de clientes também cresceu bastante. A startup não divulga os preços dos seus serviços, mas informa que já atendeu grandes marcas como Aché, L’Oreal, Mapfre, Boticário, Oi, HSBC entre outros. Billy fala sobre a relação desses clientes com o seu produto: “No Brasil, em termos de inovação, a adesão é lenta para algumas coisas. Principalmente para os negócios B2B. No B2C nem tanto. Nós acreditamos que estamos desenvolvendo uma ferramenta muito poderosa, algo que vai fazer a diferença, por isso continuamos investindo”.
Ele prossegue, e diz que a Forebrain aposta alto por acreditar no serviço e a na tecnologia própria e única, e que por isso conquista clientes importantes, em empresas mais propensas à inovação. “Um tipo de cliente que acaba puxando outros depois de um tempo”, diz, e reflete sobre o momento que vive:
“O momento mais bacana no desenvolvimento de uma startup é quando você começa a gerar massa crítica de gente de qualidade. Quando começa a trabalhar com gente muito melhor que você. Isso é a minha maior motivação”
Na prática, a Forebrain oferece dois produtos a seus clientes, os projetos Ad hoc e a plataforma Brain. Os projetos Ad hoc fazem análises de diferentes pontos de contato, visando entender principalmente o impacto da comunicação (mídia), o comportamento do comprador (shopper) na tomada de decisão e a experiência sensorial e emocional do consumidor com o produto.
Nesse tipo de projeto, altamente customizado, eles usam eletroencefalografia, eye-tracking, ressonância magnética funcional, sudorese da pele, parâmetros cardiovasculares, eletromiografia facial, magnetoencefalografia, estimulação magnética transcraniana, atividade neuroimunoendocrinológica e psicofísica/psicometria. Tudo para indicar emoções positivas ou negativas, nem sempre verbalizadas, que poderão determinar o sucesso ou o fracasso de determinada comunicação.
Por sua vez, o Brain é um software que usa um banco de dados neurocientífico para as marcas entenderem quais estratégias funcionam melhor na mente do seu consumidor. Trata-se, segundo Billy, do primeiro modelo SaaS (software as a service) de neuromarketing do mundo.
Dentro da plataforma online, de interface amigável, os clientes (que pagam uma assinatura mensal de valor não divulgado) têm acesso à visualização desses dados. Através de um Ad Analytics é possível desenvolver uma análise aprofundada do comercial, observando simultaneamente todos os indicadores e comparando as reações de diferentes targets (segmentados por idade, sexo, classe social e preferências). Além de avaliar o desempenho do seu comercial, o cliente pode comparar esses resultados com os anúncios de concorrentes veiculados no mesmo período.
Billy detalha como funciona: “Nós usamos um equipamento que coleta diretamente a atividade elétrica do cérebro da pessoa, usando uma espécie de touca com um eletroencefalograma, junto com um equipamento eye-tracker que verifica para onde ela está olhando. Com essas duas informações, conseguimos saber o grau de atenção da pessoa, o nível de motivação, se está sendo mais positivo ou mais negativo e o grau de memorização, se aquela cena vai ser lembrada no futuro ou se terá uma baixa probabilidade de lembrança. Fica fácil, por exemplo, saber quantas pessoas estão olhando para o produto em cada aparição no anúncio e como o cérebro delas reage no momento da veiculação da marca”.
UM BANCO DE DADOS DE EMOÇÕES DOS CONSUMIDORES
Toda semana, 60 pessoas diferentes vão até o laboratório da empresa para abastecer o banco de dados do Brain. “Os participantes acham que estamos avaliando o filme que eles estão assistindo e não os breaks (os anúncios). Só mostramos propagandas veiculadas nos últimos 30 dias, avaliando sempre de 30 a 40 filmes comerciais de uma vez. Já temos mais de 700 anúncios analisados. Com um benchmark desse tamanho, a gente consegue comparar as performances desses filmes com os dos nossos clientes e a partir daí criar insights poderosos”, conta Billy.
É dentro dessa plataforma online que os clientes, através de uma assinatura mensal, conseguem ter acesso à visualização dos dados. Com uma interface amigável, de fácil entendimento, o Brain é uma ferramenta em que qualquer profissional de marketing ou comunicação pode ter insights a partir do que foi observado. Este é um modelo de negócio que não existe em lugar nenhum do mundo. Tanto que a Forebrain está num processo de internacionalização.
Atualmente, estão participando de um programa de incentivo do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comercio chamado Inovativa, voltado para startups. Além disso, participam de outro programa, com o UKTI (United Kingdom Trade & Investment), do Governo Britânico, que tem como objetivo lançar produtos inovadores na Europa.
“Essa é a nossa busca agora, alcançar novos mercados. A Ásia está crescendo muito e os Estados Unidos são o maior mercado no meu segmento. Já temos parcerias estratégicas montadas em diversos países. Na Inglaterra, por exemplo, nos aliamos à Neurosense. Primeiro trouxemos alguns produtos deles para cá e agora nós vamos fazer o caminho inverso. Isso é um grande barato, quem era a nossa inspiração lá no ínicio, agora é nosso parceiro comercial. É a realização do nosso sonho”, diz Billy. Cabeça feita.
Enquanto a Neuralink, de Elon Musk, investe em chips cerebrais, a Orby, de Duda Franklin, aposta em outro caminho. Ainda em busca de regulamentação, a startup de Natal sonha em inovar na reabilitação física com uma tecnologia não invasiva.
A neurociência pode ajudar a destravar o potencial dos alunos. Virgínia Chaves conta como a startup Athention usa aparelhos portáteis de eletroencefalograma (entre outros recursos) para incorporar a tecnologia de dados na educação.
A pandemia destravou o trabalho remoto, mas recrutar colaboradores ainda é um desafio. Saiba como a Ollo usa tecnologia e curadoria de talentos para encontrar em até 48 horas o profissional que a sua empresa precisa.