Esta era para ser uma entrevista no formato pingue-pongue, com pergunta e resposta, direto ao ponto, mas o entrevistado não deixou. Luis Fernando Liguori, 45, decidiu dar respostas amplas, se aprofundar e contar histórias. Sorte a nossa. Assunto não faltou: ele é CTO, o chefe de tecnologia, da IBM, organização centenária que se empenha em permanecer atual, seguir em constante renovação. A empresa nasceu fabricante de máquinas agrícolas, transformou-se em produtora de hardware e, hoje, tem um modelo de negócio focado em serviços de cloud e inteligência cognitiva, aquela coisa futurista de ter um computador inteligente que entrega as respostas necessárias.
O papel de Luis na IBM é fazer a ponte, do ponto de vista tecnológico, entre o mercado e a companhia. É ter a visão do todo, entender o que os clientes precisam e o que a empresa pode oferecer, quais desenvolvimentos priorizar. Ele é triatleta e conta que tem o costume de anotar cada coisa que o incomoda, afinal, diz, qualquer detalhe pode ser uma chance de inovar.
Dessa perspectiva, ele afirma que a inovação vai muito além dos 6% do faturamento que a IBM investe anualmente em pesquisa. “O meu time tem mais potencial para ser disruptivo, estar na vanguarda, mas a inovação é parte do DNA da empresa e precisa permear todas as áreas”, diz, enfatizando a árdua tarefa de fazer com que cada um dos 400 mil funcionários da organização no mundo levante esta bandeira.
Segundo ele, seu maior desafio é colocar as pessoas no que ele chama de “zona de desconforto” e fazer com que elas se permitam inovar. “Isso é mais fácil com os jovens que entram no programa de trainee, por exemplo, mas é um grande desafio quando falamos de profissionais que estão há anos na empresa”, diz.
PARA INOVAR, HÁ QUE SE EMPODERAR
Luis conta que, há alguns anos, eles foram atrás de entender porque o time brasileiro tinha tanta dificuldade em gerar patentes e aí descobriram que as equipes precisavam ser empoderadas, entender que podiam inovar. “As pessoas achavam que uma patente era algo que precisava vir de um cientista em um laboratório. Começamos a mostrar que a inovação pode vir de todas as áreas, de um processo, uma abordagem ou uma metodologia. Hoje temos vendedores, por exemplo, que inovaram e geraram patente”, diz.
Outra missão importante é manter a organização mais aberta para o mercado. “Podemos investir o que for, que não vai nos bastar. Inovação é colaboração. Temos que trabalhar com uma série de parceiros, startups, clientes, universidades e outras corporações para chegar lá”, diz. Para ajudar nessa missão, ele aponta que a IBM tem, no Brasil, um time focado em empreendedorismo e startups. O saldo das tarefas parece ser positivo, afinal, a companhia segue firme em uma imensa transformação que inclui a mudança de seu modelo de negócio.
Sem números exatos, Luis estima que a área de hardware da empresa, que respondia por mais de 80% do faturamento nos anos 1990, hoje representa pouco mais de 10% das receitas. A relação se inverteu e a maior parte do faturamento vem de serviços de sistemas cognitivos e de cloud (computação em nuvem), de coisas como banco de dados, internet das coisas (IoT), analytics e do Watson, o impressionante sistema de inteligência cognitiva da IBM capaz de aprender e usar o conhecimento adquirido em coisas que vão desde um chatbot até uma consultoria para que um oncologista descubra qual é o melhor tratamento para determinado paciente.
Nos últimos anos a IBM deixou de lado a ideia ultrapassada de proteger suas soluções internamente e se abriu para o mercado. Lançou em 2013 uma plataforma que oferece gratuitamente todos estes serviços. “Muita gente pensa que é brincadeira, que a IBM é cara, que só faz negócio com empresas grandes. Surpreendo muitas startups quando digo que eles podem entrar lá, desenhar serviços, colocar no mercado e só depois começar a pagar”, diz. E dimensiona o seu desafio:
“Há um oceano de empresas que não sabem o que a gente faz. Preciso mudar isso”
A ideia é oferecer uso gratuito das ferramentas até certo limite e cobrar só quando o cliente vai além disso. Para usar o banco de dados, por exemplo, há um volume máximo de armazenamento gratuito. Depois dele é necessário pagar, mas Luis garante que os valores estão longe de ser proibitivos. “Antes a IBM só colocava algo no mercado quando o produto já fosse uma Ferrari. Hoje vamos fazendo mudanças e atualizando diariamente. Sempre tem novidade na nossa plataforma.”
ELEMENTAR, WATSON
Uma das grandes apostas da IBM para inovar é o Watson, sistema inteligente capaz de fazer de qualquer pessoa um Sherlock Holmes, chegando a grandes conclusões. Com aplicação nas mais variadas áreas, a companhia enxerga gama ampla de possibilidades para a tecnologia. Durante a entrevista, Luis decide dar uma demonstração do que o sistema é capaz: “Me mostra uma reportagem que você escreveu”, pede a esta repórter, que prontamente encaminha ele a um dos textos já publicados no Draft.
Ele joga aquele monte de letras em uma ferramenta criada com o Watson, capaz de analisar a personalidade de uma pessoa a partir do texto que escreve. “Ensinamos ele a fazer perfis psicológicos”, conta Luis. Entre muitas coisas, a conclusão é que esta que vos escreve é “96% aberta, aventureira, desafia a autoridade e não é tão extrovertida”, diz, causando certa apreensão. “Temos usado tecnologias assim em coaching e em nosso processo seletivo.” Segundo Luis, esta é a melhor maneira de acertar na escolha hoje em dia, em que credenciais importam menos do que o comportamento do profissional. Não há como escapar da verdade implacável revelada pelo Watson.
Luis conta que a IBM fez um concurso global focado em inteligência cognitiva. A ideia era que os funcionários formassem times e desenvolvessem projetos como se fossem startups para inovar dentro da companhia. “Tinha que pensar no problema, entender se era relevante, desenvolver uma solução e modelo de negócio. Foi essencial para a gente mostrar, aqui dentro, o que é a agilidade de uma empresa jovem e o poder de grupos multidisciplinares. É com a diferença que aprendemos.” Uma das iniciativas vencedoras foi justamente voltada à aplicação destas tecnologias na área de RH, com ferramentas como a análise de texto. A solução passou a ser aplicada globalmente pela IBM.
Luis conta que o Watson é ferramenta para inovar em uma série de outras áreas no Brasil. A companhia tem parceria com a Fundação Dom Cabral e usa a ferramenta para coaching. A tecnologia, quem diria, fez até a apresentação de abertura de um dos cursos oferecidos ali. “Os executivos ouvem o tempo todo que a tecnologia está mudado o mundo, mas queríamos mostrar isso na prática”, diz Luis.
Ele prossegue, e afirma que as possibilidades são imensas na área da saúde. “O Watson não é inteligência artificial, mas inteligência aumentada. Ele soma o que eu sei com o que você sabe e consegue lembrar de tudo depois. Um médico, por exemplo, pode ler 50 artigos científicos por ano. O Watson é capaz de ler todos e trazer insights para que o médico tom a decisão”, diz. Para ele, esta é uma possibilidade revolucionária pra levar medicina avançada a um país pobre, por exemplo.
Localmente, o sistema trabalha com o Fleury em projeto de análise do genoma humano. A ideia é fazer sequenciamento e identificar mutações. Luis destaca ainda outra iniciativa, desta vez em parceria com um banco: “Estamos desenvolvendo um call center otimizado para o Bradesco”.
O Watson foi levado até para a cozinha. Depois de aprender a química dos alimentos, o sistema ganhou aplicação em curso da Faculdade Anhanguera. Ao entender como os alimentos interagem, ele consegue apontar quais ingredientes dão certo em uma receita. O executivo diz que o Watson pode ser usado em tudo que envolve dados e informações prévias. Às pessoas, destaca, cabe a tomada de decisão e as tarefas de interação e criação.
COLABORAR PARA INOVAR
As possibilidades oferecidas pelo Watson também são amplamente usadas por startups que acessam a plataforma de serviços IBM. Luis admite que é impossível monitorar tudo, mas que eles se esforçam para se aproximar deste grupo e inovar em conjunto. “Temos parceria com todas as aceleradoras”, conta. Entre as ações estão hackathons e o SmartCamp, evento global que oferece mentorias e parcerias a estas empresas. Outra iniciativa importante da companhia é o GEP – Global Entrepreneur Program. Por meio dele a IBM dá de 2 mil a 10 mil dólares em serviços de sua plataforma, além de mentoria para o desenvolvimento do negócio.
“Antes, para colocar um serviço no ar, era preciso comprar o hardware, instalar, comprar a licença do software. Levava três meses. Agora dá para fazer em meia hora.” Ele faz essa comparação e, depois de destacar a velocidade com que as startups conseguem gerar novidades para o mercado, conta qual é a contrapartida da interação com uma gigante como a IBM. “Nós ensinamos muito a elas, mas acabamos aprendendo também. A questão da agilidade é algo muito importante, além da forma que eles têm de engajar, de envolver o público em uma apresentação, por exemplo”, diz. Ele afirma que ao menos parte dos bons exemplos que vê nas startups, tenta levar para a companhia.
A IBM segue ainda orientação da liderança global para se tornar mais ágil, ele diz. Outro ponto importante é a tolerância às falhas.
“Nunca ninguém foi demitido daqui por cometer um erro com boa intenção. Ainda assim, as pessoas têm esse pensamento de que não podem errar. Não é verdade”
Raro caso de uma empresa de tecnologia comandada por uma mulher, Ginni Rometty, a IBM também investe na liderança feminina, com programas de apoio para que as mulheres evoluam dentro da companhia.
“Me surpreendo com a velocidade com que as coisas estão mudando por aqui. Não é um processo fácil, mas acho que estamos indo bem”, afirma Luis, fazendo um balanço do esforço interno para inovar. Watson certamente vai dar todo o apoio, mas é como ele disse — e é como é a vida — são as pessoas que precisarão colocar a mão na massa para as mudanças que querem ver no mundo.
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