Desde que fundaram a Longarina, em 2013, Vanessa Bertelli, 31, e Cris Brosso, 29, já colocaram 1 040 mulheres (e contando) em cima de pranchas de surf para fazer com que, além de se divertirem, refletissem sobre autoestima, gênero e a ditadura da beleza.
Contamos a história delas e da plataforma de conteúdo que mantêm, além da organização das viagens para mulheres surfarem, há quase dois anos. De lá para cá, a intenção delas não mudou. Mas mudou (ufa!) o mercado, que passou a olhar com mais interesse para esse negócio-missão que despertava tantos sentimentos, e histórias, boas de se contar. Vamos a elas.
A base de trabalho continua firme na startup que reúne mulheres para experiências práticas de surf, em viagens durante as quais também são convidadas a fugir de um modus operandi que costuma dar mais espaço e voz a homens do que a mulheres, seja no mar ou fora dele, no mercado de trabalho, por exemplo.
“A missão do negócio sempre esteve clara para nós: transformar as mulheres por meio do esporte. O desafio é escalar, sem perder a essência de vista”, conta Vanessa, CEO da Longarina.
Como acontece com inúmeros empreendedores que montam negócios primeiro com o coração, na Longarina também chegou o momento em que as sócias precisaram equacionar melhor missão, dedicação e rendimento financeiro.
Para tanto, alguns ajustes foram necessários. Um dos primeiros aconteceu no final de 2015, com o desligamento amigável de uma das fundadoras, Mari Duvekot, que contribuía na plataforma de conteúdo com notícias sobre a cena paulistana do skate. Com uma sócia a menos, as tarefas foram redistribuídas. Vanessa ficou com uma função mais “holística”, como ela mesma descreve o cargo de CEO. Por seu perfil mais operacional, Cris assumiu a direção executiva.
Um segundo ajuste, feito já em 2016, foi um desdobramento da saída de Mari: sem ela, a Longarina abandonou as vivências com skate para concentrar forças em apenas um esporte, o surfe.
Assim, “mais leves” e mais focadas, as sócias contam que puderam perceber que os já tradicionais Bate e Volta Longarina (viagens sem pernoite para quem quer surfar mas não tem o fim de semana inteiro livre) serviam como um fomento de demanda, uma espécie de teaser, para uma experiência mais profunda e rentável para a empresa, as Trips Longarina (viagens mais longas, também organizadas pela empresa).
Elas contam que nas Trips Longarina ocorre uma imersão no lifestyle do surf que vai além da prática do esporte, pois engloba cuidado com o meio ambiente, alimentação saudável, preparação física e mental. Permitem, ainda, parcerias com outros profissionais que queiram levar às participantes conhecimento complementar e serviços que se identificam com a causa, tais como professores de yoga ou alongamento. Cris fala do produto:
“As imersões mais elaboradas são chances de mostrar como o surf é uma ferramenta de transformação. Para nós, surfar nunca foi modinha”.
A empolgação com esse insight foi tanta que Cris e Vanessa desenvolveram um projeto chamado Casa Longarina. A ideia era alugar uma casa em Maresias, praia de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo (onde Cris mora) para, durante o verão 2016/2017, hospedar clientes da Longarina a um custo menor do que as viagens já oferecidas.
Era, também, servir como ponto de apoio para projetos socioambientais de voluntariado dedicados às necessidades apontadas pela comunidade local. Sem recursos, eles tentaram colocar a ideia em pé com uma campanha de crowdfunding. Arrecadaram, porém, só metade dos 50 mil reais que necessitavam.
QUANDO UMA QUEDA DÁ IMPULSO PARA SEGUIR
Mesmo sem bater a meta da campanha, uma cliente antiga (e amiga) da Longarina ofereceu-se como investidora e disponibilizou o montante que faltava para o projeto sair do papel. Mas, mesmo assim, foi preciso adiá-lo.
“Vimos que não teríamos braços para tocar a Casa Longarina e continuar com as demais atividades da empresa”, conta Cris.
O dinheiro arrecadado na campanha foi então devolvido aos doadores (como ocorre quando as campanhas de financiamento coletivo no modelo “tudo ou nada” não batem meta). Porém, o que aparentava ser uma derrota amarga acabou servindo como impulso para um mergulho ainda mais profundo no negócio.
As sócias decidiram, então, usar os 25 mil doados como investimento-anjo, ou resguardo financeiro, que as ajudaria a estabelecer mais firmemente o negócio. As duas decidiram então deixar suas outras atividades profissionais de lado para poderem se dedicar 100% à Longarina.
A ideia é, assim, construírem uma base sólida de negócio, sabendo para onde irão e o tamanho que querem ter. “Hoje, a empresa ainda não fatura como precisamos, por isso queremos levar os Bate e Volta também para outras regiões, como microcélulas autônomas”, conta Vanessa.
Nessa busca por profissionalismo e monetização a Longarina participou do programa Projetos de Garagem, organizado pela Inesplorato, pelo qual receberam consultoria durante dois meses. Ao fim do período, em novembro de 2016, as sócias apresentaram o resultado do trabalho para uma plateia composta por empresários, investidores, profissionais de marketing e publicidade interessados em se inspirar e apoiar ideias.
Ali, ora ora, Cris e Vanessa descobriram-se “influenciadoras” e perceberam como a rede criada pela Longarina (40 mil visitantes por mês no site; 107 mil seguidores no Facebook; 19,6 mil no Instagram e um mailing de 4 mil nomes) tinha valor. Era hora de fazer as pazes com o dinheiro.
O primeiro projeto da Longarina financiado por uma grande marca aconteceu em janeiro deste ano: uma parceria com o protetor solar Avon Care Sun. A ação de lançamento nas mídias sociais, batizada de #RemandoJuntas, teve mais de 245 mil visualizações na fanpage da Avon e rendeu uma ativo valioso para a Longarina, que passou a ser vista por outras grandes marcas como possível parceira para projetos cocriados.
Vanessa conta, também, que a experiência serviu de aprendizado para elas entenderam como fazer conteúdo de marca: “Sem arranhar a credibilidade conquistada, sem ditar regras e com o cuidado de não ficarmos financeiramente dependentes dessas ações”.
SERÁ QUE ESTOU PRONTA PARA CRESCER?
O momento atual na startup é de introspecção para aprendizado comercial, financeiro, organização das tarefas e estruturação dos pilares do negócio. Cris e Vanessa fecharam um acordo de mentoria (deve durar um ano e meio) com um consultor que não quer ter o nome divulgado para “não desviar a atenção do trabalho das empreendedoras”.
Vanessa fala a respeito e diz que elas estão passando por um “grande treinamento” para se transformarem e ganharem a capacidade necessária para tocar o negócio. As sede de transformação vai do negócio às próprias vidas e Cris conta que as duas também se inscreveram no curso anual Danza Medicina, que trabalha com autoconhecimento por meio da dança.
A Longarina ainda é um negócio jovem, como suas fundadoras. Como tal, já viveu algumas experiências intensas, mas sabe que há muito mais pela frente. Da mentoria veio a confiança para as sócias entenderem o que pode ser delegado e o que precisa da presença e ação direta delas. As duas contam que estão quase terminando a formatação do modelo de expansão do Bate e Volta Longarina para outros estados.
Vanessa conta que um teste, sem a presença das sócias, já aconteceu e deu muito certo. E tome aprendizado:
“Nem tudo depende de você. É mentira que se você não estiver, as coisas não acontecem”
Do curso de autoconhecimento veio a coragem para enfrentar com mais maturidade um incômodo antigo: o fato de uma confecção (com e-commerce e blog) ter adotado o mesmo nome da startup, mesmo tendo nascido com outro nome.
No entender das empreendedoras, isso gera confusão e leva a rede de mulheres que admira o conceito criado e tão cuidado por elas a consumir, inadvertidamente, itens que não fazem parte do portfólio da empresa. E tome mais aprendizado.
“Hoje, temos mais sangue frio para entender que este problema tem solução a médio prazo e envolve um processo judicial. Antes, ficávamos indignadas e com úlceras”, diz Vanessa.
E o amadurecimento segue. No planejamento estratégico da Longarina, por exemplo, já consta a criação de produtos como camisetas, bonés e bolsas, com o logotipo original da empresa. Outro passo, agora que elas já ajustaram o tom de voz e estão adotando as posturas necessárias como empresárias, é ir à procura de novos investidores. E que venham as próximas ondas.
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