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Como nasceu um dos maiores portais de negociação de brinquedos do Brasil, o Quintal de Trocas

Angélica Weise - 25 mar 2016 Carolina Guedes e a filha, Maria Beatriz, num dia de troca de brinquedos promovido pelo Quintal.
Carolina Guedes e a filha, Maria Beatriz, num dia de troca de brinquedos promovido pelo Quintal (foto: Camila Sélli).
Angélica Weise - 25 mar 2016
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Trocar os brinquedos, escrever uma cartinha, brincar com uma criança que acabou de conhecer… Estas podem parecer atitudes ameaçadas de extinção diante de tantos smartphones e eletrônicos intermediando as relações entre crianças hiperconectadas. O Quintal das Trocas, plataforma que permite o uso compartilhado de brinquedos, a troca de experiência entre pais, crianças e seu mundo, é uma alternativa a este cenário. Oferece, além disso, uma solução para esvaziar dos armários de brinquedos já esquecidos, dando nova vida a eles, e uma chance de interação não digital para os pequenos.

Uma das feiras de troca promovidas pelo Quintal aconteceu no Mamusca, em São Paulo.

Uma das feiras de troca promovidas pelo Quintal aconteceu no Mamusca, em São Paulo.

A idealizadora da plataforma é a atriz e empresária Carolina Guedes, 32 anos, que nasceu e mora em São Paulo. Carolina foi uma criança que sempre gostou de brincar, ela diz, e que tinha um lado empreendedor também desde pequena, quando saía vendendo para os vizinhos pulseiras e guirlandas de Natal que sua mãe fazia. As roupas também eram trocadas em um brechó que tinha na garagem, no pátio de casa. Tudo era motivo para empreender, e sem deixar de lado as brincadeiras.

Aos 18 anos ela saiu de casa e escolheu cursar jornalismo por “gostar de escrever”. Seguia atuando e, ao experimentar os estágios em redações, não gostou do que considerou um excesso de regras e pouco espaço para a criatividade. Carolina, então, fez uma pós-graduação em Gestão Cultural pela USP. Ela sempre fez muitas atividades ao mesmo tempo, desde produção de ópera até eventos, mas não abandonou o teatro. Quando engravidou, o ritmo continuou acelerado: terminou de gravar um filme, escreveu textos sobre gravidez e seguiu assim até o nascimento da filha. Depois que Maria nasceu, tudo cessou e ela foi ser exclusivamente mãe. Escolheu dedicar os próximos meses exclusivamente para a filha, para vê-la crescer, para ajudá-la a se desenvolver.

QUANDO O SEU NEGÓCIO É ALGO QUE VOCÊ QUERIA PARA SI

O Quintal de Trocas acabaria surgindo nessa fase de menos atividades e mais foco na filha. Isso porque, no Dia das Crianças, Carolina não queria dar um presente para Maria — queria, em vez disso, proporcionar uma experiência especial. Ela sempre gostou de datas comemorativas, e acha ruim “como as pessoas esquecem o real motivo delas existirem. As datas têm de ser impregnadas de valores e o Dia das Crianças é para brincar, não para ir ao shopping comprar mais um brinquedo”.

Quando Carol dava algum presente à filha, era quase sempre algo feito por ela mesma. Voltando ao Dias das Crianças, Carolina buscou e acabou descobrindo uma feira de trocas promovida pelo Instituto Alana. Maria tinha um barquinho de madeira que ela nunca brincou. Na feira, o barquinho foi trocado por um espelho. “A Maria achou legal o espelhinho. Ela se olhava e achava tudo aquilo incrível”, conta Carol. “O valor do brinquedo está no valor que a criança dá a ele.” E naquela feira de trocas, ela viu outra coisa que a surpreendeu:

“Vi como as crianças ensinam às outras o desapego de uma forma simples. Vi também como aprendem a negociar brincando, cada uma do seu jeito, no seu tempo”

Carolina observou, além disso, a troca de conhecimento e experiências que acontecia entre os pais presentes. O anseio de uma mãe em tirar a fralda era respondido por outra mãe que já tinha superado essa fase com seu filho. Carolina via as conexões entre crianças e pais acontecendo e vislumbrou que aquilo podia — devia — ser maior e alcançar o maior número de pessoas possível.

Ela saiu de lá eletrizada, começou a estudar, buscar, planejar. Leu sobre Economia Compartilhada, Paulo Freire, comunicação não violenta, empatia, viver em comunidade. Pensou na feira de trocas do Alana, mas ela buscava algo que tivesse escala: “Queria levar tudo aquilo que havia aprendido para o Brasil inteiro e não somente para um bairro ”. Para isso, ela sabia, a tecnologia seria essencial. A ideia do Quintal de Trocas surgiu no fim de 2012 e, em 2013, ela foi atrás de desenvolvedores para fazer o site, mas ainda não tinha dinheiro para isso. Na mesma semana, foi convidada para fazer um concerto de ópera numa escola e, coincidência boa, o valor a ser pago era o mesmo do desenvolvimento do site. Era hora do Quintal acontecer.

TERMINA O SONHO, COMEÇAM OS PROBLEMAS

Para colocar a plataforma no ar, Carolina investiu 16 mil reais. A plataforma foi ao ar em fevereiro de 2014 e foi um sucesso. A fundadora deu entrevista para diversos veículos de comunicação e essa visibilidade ajudou a impulsionar o Quintal de Trocas. Depois, Carolina fez uma pesquisa com 3 500 pessoas para saber o que achavam da plataforma. Também foi se inteirar mais sobre empreendedorismo. Sobre esta experiência Carolina diz o seguinte: “Estudei empreendedorismo no Insper, Dragon Dreaming com a Tanya Stergiou, Fluxonomia 4D com a Lala Deheinzelin e bebendo dessas fontes o Quintal foi se construindo como uma plataforma sempre em processo, eternamente beta”. E mais:

“As pessoas que usam nossa plataforma não são clientes, são parcerias. Todas são vistas como ‘mestres’ que deixaram seus conhecimentos conosco”

Carolina conta que já recebeu convites para formar uma rede do Quintal de Trocas em outros países como Austrália, Portugal, África. É cedo, no entanto, para pensar em expansão internacional. Isso porque, hoje, o site já custou mais de 200 mil reais, por conta de ajustes e correções que ela preciso fazer. Esse dinheiro veio de parceiros e amigos, pois, até o momento, ela não tem lucro algum com o Quintal de Trocas, pois a plataforma é gratuita e não tem publicidade. Profissionalmente, no entanto, de alguma forma o empreendimento a escora, já que Carolina passou a trabalhar dando palestras em escolas e empresas sobre consumo consciente, além de promover feiras de troca em escolas e outros espaços, como o Mamusca.

No início deste ano, Carolina colocou o Quintal de Trocas na plataforma de financiamento coletivo Benfeitoria. O objetivo era arrecadar 11 mil reais em três meses, valor suficiente para promover melhorias da plataforma, tais como permitir um chat direto entre os negociadores. A campanha arrecadou 12 mil reais.

ONLINE PARA PARECER OFFLINE

Como funciona o Quintal de Trocas? A criança escolhe que brinquedo gostaria de trocar; o pai fotografa o brinquedo e o cadastra no site; a criança escolhe que brinquedo gostaria de receber em troca e a oferta é feita; se for aceita, a criança escreve uma cartinha contando a história do brinquedo; por fim, a troca é efetuada.  (Parênteses para destacar a interessante maneira sugerida para lidar com uma eventual rejeição: “Se a outra criança não quiser trocar com o seu filho, não se preocupe, a frustração tem um papel importante para que ele amadureça e se torne ainda mais forte”.)

Também no Mamusca, outra troca acontecendo: "As crianças aprendem o desapego, e a negociação, muito rápido", diz Carolina.

Também no Mamusca, outra troca acontecendo: “As crianças aprendem o desapego, e a negociação, muito rápido”, diz Carolina.

A plataforma apenas conecta os pais. E a entrega acontece de três formas: bike entrega, correios e ponto de encontro. A bike entrega já ocorre no Brasil inteiro, graças a empresas especializadas nesse tipo de entrega, cadastradas no Quintal. Carolina diz que esta é a forma pensada para ser a mais sustentável. Por correio, o brinquedo é enviado e, junto com ele, a carta escrita pela criança ou pelos pais falando um pouco do brinquedo e o que ele representa para a criança. A terceira forma é o ponto de encontro, opção para aqueles pais e crianças que morem mais próximos e que queiram se encontrar num local público, fazer a troca dos brinquedos e as crianças já brincarem juntas.

Até o momento há 850 brinquedos cadastrados no Quintal de Trocas. Carolina conta de como foi o desafio de catalogar os objetos, pois ela não sabia exatamente como dividir os brinquedos: “Eu achava estranho os brinquedos serem divididos por gênero, meninos e meninas. Porque Maria, minha filha, gostava de carrinhos e super heróis e não achava que ela deveria buscá-lo no ícone ‘meninos’”, conta:

“Estudei gênero e resolvi catalogar o site por tipo de brinquedo, e não por ‘de meninos’ e ‘de meninas’. As crianças têm o direito de brincar com o que quiserem”

Funciona. Há ao todo 15 categorias, entre elas, bonecas, bonecos, jogos, veículos pequenos, veículos grandes, esportes, quebra-cabeça. Quem vai dizer que alguma coisa é só para menino ou só menina? Ninguém, e segue o jogo.

Aliás, um jogo que não é fácil. Carolina conta que a maior dificuldade de sua breve jornada como mãe empreendedora é fazer todo o trabalho do Quintal de Trocas sozinha. Ela admite, no entanto, que só percebeu isso agora, após levar as coisas “na raça” por mais de um ano de operação: “Há muita coisa introjetada na gente. Acredita-se que o sucesso deve ser conquistado sozinho, mas ele pode ser conquistado em forma de cooperação e compartilhamento”.

Já a maior gratificação, ela diz, é o reconhecimento dos pais, a realização por ir para um estilo alternativo de vida, realizar “experiências maravilhosas” — como a que ela queria, lá atrás, proporcionar à Maria — e também a felicidade de acreditar no projeto. Ela

Um ponto de reflexão permanente para Carolina é o excesso de consumo, algo que ela observa desde muito cedo das crianças. Na escola de Maria, por exemplo, ela conseguiu de certa forma interferir e transformar a realidade. Como? Trazendo para lá a feira de troca e, ainda, possibilitando a troca de uniformes e não só de brinquedos. Os pais, por sua vez, passaram a se conhecer melhor e sair juntos para feiras de produtos orgânicos, nas quais levam os filhos para brincar e, enfim, muitas outras trocas acontecem. Para ela, o quintal é o mundo.

DRAFT CARD

Draft Card Logo
  • Projeto: Quintal de trocas
  • O que faz: Plataforma online para troca de brinquedos
  • Sócio(s): Carolina Guedes
  • Funcionários: 1
  • Sede: São Paulo
  • Início das atividades: fevereiro de 2014
  • Investimento inicial: R$ 16.000
  • Faturamento: ainda não fatura
  • Contato: [email protected]
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